Escrever Para Não Enlouquecer / Por Neemias

Vamos ser sinceros: hoje em dia, se você acorda na segunda-feira meio torto, tropeça no chinelo e queima a língua no café ao ver o boleto vencido, aparecem psiquiatras para dizer que você tem:
- Ansiedade
- Burnout,
- TDAH,
- Depressão,
- E talvez um toque de autismo com ascendente em Mercúrio retrógrado.
Segundo Guido Palomba, estamos vivendo a Black Friday dos diagnósticos: basta piscar e já sai com um combo “transtorno + receita + caixa de ansiolítico”.
Se pedir no drive-thru, ainda leva um brinde.
Palomba diz que hoje a psiquiatria virou uma espécie de Netflix da doença mental: tem série nova todo mês e sempre alguém dizendo:
— “Você PRECISA ver esse diagnóstico, é a sua cara!”
🧨 Burnout: a doença que todo mundo tem, mesmo que não saiba
Burnout era uma gíria de drogados nos anos 80.
Hoje é currículo.
— “Prazer, Neizinho. Burnouteiro profissional. De segunda a sexta.”
— “E nos fins de semana?”
— “Crise existencial.”
O protocolo do burnout é tão genérico que se você responder sinceramente, descobre que até o seu cachorro tem burnout.
Se fizer o teste no Papai Noel, ele volta diagnosticado também.
Difícil argumentar.
A humanidade sempre teve cansaço, só não tinha marketing.
🧒 TDAH, Autismo e os Diagnósticos que Viraram Pokémon
Hoje em dia parece que todo mundo tem alguma coisa.
TDAH virou sobrenome.
Antes, criança sapeca era chamada de “moleque”. Hoje é:
— TDAH tipo 7, nível 3, edição colecionável.
Autismo virou clube VIP.
E quem não tem nada se sente até meio deslocado:
— “Como assim eu sou só… normal? Isso dá para tratar?”
Palomba diz, com toda serenidade de quem já viu esse filme 500 vezes:
“Há uma banalização perigosa.”
O problema não é o diagnóstico verdadeiro — é o diagnóstico por atacado.
É a criança que toma Ritalina porque a escola não sabe lidar com a natureza infantil.
É o adulto que sai do consultório achando que tem um transtorno porque fez um teste do BuzzFeed dos médicos.
🧓 Psiquiatra raiz x Psiquiatra nutella
O psiquiatra raiz olha nos seus olhos, pergunta sobre sua alma, te escuta por 1 hora.
O psiquiatra nutella entra no consultório, olha o relógio, pergunta:
— “De 0 a 10, quanto você quer um antidepressivo?”
— “8.”
— “Ótimo, toma esse remédio. Próximo!”
O que falta?
Aquele velho ingrediente misterioso que os gregos chamavam de encontro.
Hoje em dia, o paciente traz uma alma precisando ser ouvida…
E recebe uma receita de 12 composições químicas diferentes, dois folhetos explicativos e um retorno marcado para 7 minutos depois.
🥲 Jovens e o apocalipse emocional
Segundo Palomba, os jovens não querem morrer, querem fugir.
Eles só querem se livrar do bullying, das tretas, das comparações, das cobranças, do ENEM, do futuro, do passado e de 74 notificações por minuto.
Coisa pouca.
Palomba aponta o óbvio esquecido:
o remédio que falta não é químico — é humano.
Um ouvido.
Um colo.
Um adulto que diga: “Eu estou aqui, respira.”
🤳 Redes sociais
Segundo Palomba, Instagram é o maior gerador de transtornos não diagnosticados da história. O teatro da ostentação.
Porque ali:
Todo mundo é feliz.
Todo mundo viaja.
Todo mundo é bem-sucedido.
Todo mundo tem pêssego no café da manhã.
E você?
Você tem boleto e refluxo.
… Fritando ovo e negociando com Zeus para conseguir levantar da cama
Ele diz que estamos nos torturando com versões editadas do outro.
E que a mente humana não foi feita para competir com filtros.
Não é à toa que tanta gente acorda cansada — vive lutando contra inimigos imaginários.
🤖 E a inteligência artificial nisso tudo?
A IA entende tudo, menos a frase clássica do paciente brasileiro:
— “Doutor, eu não sei o que tenho. Acho que é só a vida mesmo.”
A máquina trava.
Fuma.
Apita.
E responde:
— Erro 505: Existência Não Suportada.
🤝 A solução: menos remédio, mais gente
Palomba resume assim:
“O problema não é falta de antidepressivo. É falta de abraço.”
Difícil discordar.
Se o SUS distribuísse três abraços por dia, metade da população largava o clonazepam.
Palomba não está pedindo para destruirmos o mundo moderno.
Só está pedindo algo quase revolucionário:
voltar a ser gente.
Conversar.
Abracejar.
Chorar junto.
Tomar café olhando nos olhos, não para a tela.
Fazer perguntas que não cabem em questionário clínico.
A cura, no fim, é ancestral.
É pré-smartphone.
É pré-DSM.
É humana até a medula.
E exaustão? não é doença — às vezes é só segunda-feira.
O resumo da ópera é simples:
a saúde mental desandou não pelo excesso de sofrimento,
mas pelo déficit de humanidade.
⚡ Não deixe de ler nosso texto anterior:
E não se esqueça: segunda, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” traz humor para os dias difíceis. Sábado a gente fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor, místico, cômico e editor-chefe do Factótum Cultural.
Logo abaixo, você encontrará a entrevista original de Guido Palomba no Programa Pânico:
O psiquiatra forense Guido Palomba oferece uma reflexão contundente sobre os diagnósticos apressados e a banalização de doenças como burnout, TDAH e depressão. Com uma crítica à psiquiatria ocidental e ao uso excessivo de medicamentos, Palomba alerta para a falta de um olhar mais humano nos tratamentos e destaca o impacto das redes sociais e da digitalização na saúde emocional. Em sua visão, a verdadeira solução não está no consumo desenfreado de remédios, mas na retomada das interações genuínas e no fortalecimento do apoio emocional nas relações humanas.
Confira abaixo a transcrição adaptada da fala de Guido Palomba no programa Pânico.
Hoje podemos falar sobre qualquer assunto, inclusive saúde mental. Dizem que o brasileiro é o povo mais ansioso do mundo. Isso é verdade? Não, não é. É um diagnóstico mal feito. O brasileiro até é bem tranquilo, o problema está nos diagnósticos errados. Isso acontece, não só na psiquiatria brasileira, mas na psiquiatria ocidental. Por exemplo, hoje, se você briga com a namorada, se está sem dinheiro para pagar as contas, ou até se perdeu o cachorro e está triste, é fácil que você receba um diagnóstico de bipolaridade ou depressão. Mas será que é isso mesmo? Não. Isso não existe.
Romantizar essas condições também não ajuda. Vamos falar sobre o caso do burnout. Quando começou a se falar sobre burnout, era algo relacionado a viciados em drogas nos Estados Unidos, era uma gíria. Hoje transformaram isso em um diagnóstico. O protocolo do burnout é simples: você responde um conjunto de perguntas, soma os pontos, e dependendo do resultado, você é diagnosticado com burnout. Mas se qualquer um de nós aqui fizer esse protocolo, todos vamos ter algum grau de burnout, seja leve, moderado ou grave. Então, o que é isso? O que realmente é o burnout? O que existe, de fato, é a estafa, uma condição bem descrita desde 1777, mas não precisávamos dessa nova “inovação”.
O grande problema está na banalização dos diagnósticos. Todos esses termos, como TDAH, autismo, e até o burnout, estão sendo usados de maneira superficial. Agora, as pessoas têm autismo e se sentem orgulhosas, mas será que o diagnóstico está correto? O que estamos vendo é uma banalização desses diagnósticos. Claro, as doenças reais existem, como a depressão, mas o diagnóstico precisa ser mais preciso. Infelizmente, muitas vezes, as pessoas recebem diagnósticos errados, seja por médicos mal preparados ou pelo excesso de protocolos.
E, como paciente, você não sabe distinguir um bom médico. O diploma não garante que ele seja competente em diagnóstico. O erro médico acontece, mas é um erro de prática, não uma falha do paciente. O paciente precisa confiar no médico, mas como fazer isso sem saber se está realmente sendo atendido por um bom profissional? Esse é um grande dilema.
Além disso, estamos vendo pessoas tomando antidepressivos e ansiolíticos desnecessariamente. Muitos são diagnosticados sem uma avaliação adequada, como crianças sendo medicadas com Ritalina por simplesmente não se adaptarem ao sistema educacional. Esse diagnóstico superficial está prejudicando muitos.
A nova geração de estudantes está mais atenta a isso. Eles estão vendo que o uso excessivo de medicamentos e diagnósticos apressados não é a solução. Muitos psiquiatras hoje em dia estão tão focados em protocolos que deixam de ser terapeutas de verdade. Eles não olham para o paciente, não dialogam. Só seguem um script, o que é extremamente prejudicial.
O número de suicídios entre jovens aumentou, e isso é alarmante. Mas o problema não é que os jovens querem se matar. O que eles não suportam são as situações que enfrentam: bullying, brigas, a pressão de estar sempre perfeito. Eles querem escapar da dor daquela situação, mas não sabem como. O suicídio não é uma busca pela morte, mas uma tentativa de escapar do sofrimento. O que os jovens precisam é de alguém que os ouça e que os ajude a enxergar outras alternativas, a lidar com suas dificuldades. Não é necessário um remédio, mas sim apoio emocional.
E aqui entra a questão das redes sociais e da digitalização. A constante comparação nas redes sociais, a pressão para estar sempre bem e fazer mais, afeta muito a saúde mental. As pessoas estão constantemente se comparando com os outros, o que aumenta a autocrítica. Isso é ainda mais intenso nas novas gerações, que vivem o tempo todo nesse ambiente digital.
Como sair disso? Eu acho que devemos voltar a viver de forma mais natural, mais simples. O problema não está na falta de remédios, mas na falta de apoio humano. Não podemos viver isolados, não podemos nos perder nas telas e na busca por validação online. O ser humano precisa de conexões reais, de interação, de apoio. O uso excessivo de redes sociais, a comparação constante e a pressão para alcançar um padrão irreal são prejudiciais. Precisamos redescobrir a importância das interações humanas genuínas e do autoconhecimento.
Agora, quanto à inteligência artificial, ela é uma excelente ferramenta, mas ela não tem a inteligência abstrata que o ser humano possui. A inteligência artificial é útil para algumas áreas, como a radiologia, mas para áreas como psiquiatria, onde o ser humano precisa entender o contexto emocional e psicológico, ela é limitada. Não é “inteligência” no sentido real, é apenas uma ferramenta que trabalha com algoritmos baseados no que já existe.
Então, os diagnósticos errados, o uso excessivo de medicamentos e a falta de apoio emocional verdadeiro são grandes problemas na saúde mental. A solução não está em mais medicamentos, mas em uma abordagem mais humana, mais atenta ao ser humano como um todo. Precisamos de médicos e profissionais que realmente escutem, que realmente se importem. E as novas gerações estão mais conscientes disso, e talvez seja isso que nos dará a chance de fazer as mudanças necessárias.
Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho da participação de Guido Palomba no programa Pânico.






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