Escrever Para Não Enlouquecer – Por Neemias

Estima-se que existam mais de 2 trilhões de galáxias no universo observável.
Cada uma com centenas de bilhões de estrelas, e possivelmente trilhões de planetas.
Em um desses planetas, em um braço espiral da Via Láctea, existe uma estrela comum chamada Sol.
Ao redor dela giram oito planetas.
Em um deles, a Terra, um pálido ponto azul, vivem 8 bilhões de pessoas.
Entre elas, você.
Uma única consciência, tentando entender o que fazer com os próximos 0,00012 segundos que lhe restam no calendário cósmico.
A Terra existe há 4,5 bilhões de anos.
A vida surgiu há 3,7 bilhões.
E nós, Homo sapiens, estamos aqui há apenas 200 mil anos — ou seja, 0,004% da história do planeta.
Se o planeta fosse um filme de 2 horas, nós teríamos surgido só nos últimos 0,2 segundos — e ainda achamos que somos os protagonistas.
Em escala cósmica, somos apenas uma vírgula numa enciclopédia com milhares de páginas.
Carl Sagan foi ainda mais longe: se os 13,8 bilhões de anos do universo fossem comprimidos em um único calendário de 12 meses, sua vida inteira — considerando a expectativa média de 76 anos — caberia em apenas 0,00012 segundos.
E se você morrer antes, alguém vai transar com sua mulher, criar seus filhos e usar sua caneca de chopp preferida.
Pode sofrer ou pode rir — a escolha é sua.
Você é…
Um estalar de dedos.
Um gole de cerveja antes da virada.
Uma piscada na contagem regressiva.
Um peido no meio do filme.
Um suspiro de barata.
Um arroto de Bukowski no bar do tempo.
Pra você ter ideia:
- Janeiro: Big Bang.
- Setembro: Sol e Terra surgem.
- Outubro: a vida aparece.
- Dezembro: dinossauros brilham e são deletados pelo meteoro.
- 31 de dezembro, 23h52: os primeiros hominídeos.
- 23h59 e 46s: Homo sapiens.
- Último segundo: toda a história humana — pirâmides, guerras, Beatles, TikTok, boletos e você, poeira côsmica, ostentando no Instagram.
O Ego: Figurante que se Acha Protagonista
Você acorda segunda-feira, ajeita o cabelo no espelho e pensa:
“Hoje eu vou fazer diferença.”
Fi, diferença onde?
Você dura menos que chiclete mascado em boca de criança.
Seu “legado” vai ser uma senha de e-mail esquecida, um CPF cancelado e talvez uma foto em moldura barata no velório.
Você é o figurante que entra de costas, tropeça no tapete e sai da cena.
Carrega rancor de 2011, culpa, orgulho, vaidade.
Escreve textão, surta porque perdeu cinco seguidores, compra 100 para compensar, cancela gente na internet, briga no grupo de família, disputa razão, religião, política, compra briga no trânsito como se o destino da humanidade estivesse em jogo. Age como se o universo inteiro estivesse esperando você decidir se vai ou não responder aquele e-mail…
E ainda tem quem venda a ideia de que você precisa encontrar o seu “grande propósito”, “missão de vida” ou “deixar um legado” — como se cada um tivesse nascido com um manual secreto que precisa ser desbloqueado via coaching ou retiro espiritual legendário de final de semana.
A verdade é que talvez não exista um propósito universal escrito nas estrelas. Talvez o único propósito seja viver essa piscada de olhos com alguma dignidade — rir, amar, criar algo bonito, não fazer tanta merda.

Nietzsche já dizia: não existe sentido pronto.
Mas seguimos vivendo como se Deus fosse nosso coach particular, o universo fosse público de auditório e cada decisão nossa fosse trending topic cósmico.
Você pode escrever livros, ganhar dinheiro, pode ser o CEO, santo canonizado, influencer, mártir, gênio incompreendido, concorrer ao prêmio Nobel, acumular diplomas, capinar lotes que comprou em Porto Rico, tentar ser importante, amar, odiar, colecionar boletos, ficar famoso, virar lenda ou descobrir a cura da ressaca… No fim, tudo vai ser engolido pelo tempo.
Daqui uns bilhões de anos o Sol explode e já era: nem WhatsApp backup na nuvem vai salvar sua vida de memes.
A verdade é simples: a vida não tem sentido pronto.
Somos um acidente cósmico, largados aqui sem manual de instruções, orbitando uma estrela que também vai morrer.
A Galera Que Se Acha a Bolacha do Pacote
Ah, essa merece um parágrafo só dela.
Porque tem a turma que leva o ego tão a sério que dá até vontade de passar um café e sentar pra assistir.
Tem a turma do status, que acha que carro importado é sinal de evolução espiritual (ou masculinidade).
Os do dinheiro, que pensam que vão levar o Pix pro caixão.
Os do corpo perfeito, malhando como se Apolo fosse julgar no pós-vida.
As mulheres que só se interessam por quem tem status/dinheiro/poder, os homens que só olham pro corpo.
Tem a galera do autoconhecimento fast-food, que acha que três frases de Instagram e uma mandala na parede a tornaram “desperta”.
E claro, os da espiritualidade gourmet, que se acham Buda reencarnado mas xingam o cara que fechou eles no trânsito.
Todos eles têm uma coisa em comum: acreditam que são mais importantes que o resto da humanidade.
Spoiler: são só mais um piscar de olhos — igual você, igual eu.
Quando o tempo acabar, viram pó junto, sem fila VIP.
Fi, a real é que ninguém nem lembra da sua existência.
Quer saber o que sua vida representa em escala cósmica?
Menos do que uma mosca na janela da NASA.
Menos do que um meme esquecido em grupo de família.
Menos do que uma notificação de zap que você nem abriu.
Você não é o protagonista, você é o figurante que aparece de costas carregando uma pasta na cena 48. Nem fala, nem tem crédito final. Só tá ali pra preencher espaço.
E se bobear, cortam na edição final.
Ria, Ame, Viva e Crie
Já que tudo é pequeno diante da eternidade, “não leve a vida tão a sério. Afinal, você nem sairá vivo dela (Elbert Hubbard).
Isso abre espaço para rir, amar, errar, respeitar, brincar, ajudar e criar algo que faça sentido. Não o “sentido último”, mas micro-sentidos que iluminam os dias: o filho que sorri, o livro escrito, o café quente, o amigo que te chama de “fi”.
Nietzsche chamaria isso de amor fati: amar o destino, mesmo sabendo que é trágico. Camus diria que a gente deve imaginar Sísifo feliz, empurrando sua pedra sabendo que nunca vai vencer, mas mesmo assim rindo da piada cósmica.
E Bukowski, com um copo na mão, resumiria com a honestidade etílica que só ele tinha:
“Acho que a gente devia encher a cara hoje, depois a gente fala mal dos inúteis que se acham super importantes.”
Não porque odiamos os outros — mas porque rir juntos é melhor que brigar.
Porque no fim das contas, estamos todos tentando não tropeçar nos mesmos 0,00012 segundos.
Eu diria:
“Se tudo vai acabar, que acabe com gargalhada, copo cheio e uma boa história pra contar.”
O Guia dos 0,00012 Segundos
- Aceite: você não é o centro do universo — e isso é ótimo.
- Ria: humor é escudo contra a seriedade patética da vida.
- Crie: se não existe manual, escreva o seu.
- Pare de posar: quase ninguém se importa com o seu feed.
- Ame e respeite: o outro também só tem essa piscada para tentar acertar. Ajude quando puder (ou não atrapalhe).
- Viva: porque daqui a pouco a contagem regressiva chega ao fim.
E escreva artigos sabendo que ninguém vai lembrar deles em 50 anos, mas que hoje podem salvar um leitor de surtar com boleto atrasado em plena segunda-feira, até porque Só Gosta de Segunda-Feira Quem Tem Amante no Trabalho.
Ninguém Vai Lembrar de Você (e Tá Tudo Bem!)
Daqui a 100 anos, estranhos vão morar na sua casa, dormir no seu quarto e nem saber que você existiu.
Na mesma casa onde você ralou pra pagar o financiamento, um estranho vai estar fritando ovo na cozinha, sem nem imaginar que ali você um dia queimou arroz três vezes seguidas.
Seu túmulo? Vai ser visitado só pelos cupins. Sua foto em cima da estante? Virará moldura vintage no brechó da esquina.
Seu nome será apenas pó no cartório — tão relevante quanto senha de Wi-Fi esquecida.
O universo? Continua girando.
As estrelas? Nem piscam pra você.
E aquela galáxia a 2 milhões de anos-luz? Tá mais preocupada em colidir com a Via Láctea do que com o seu TCC. Enquanto isso, o Sol só espera o momento certo de fritar a Terra como pastel em óleo quente.
Resumo: você será esquecido.
E aí, sinceramente, por isso não vale a pena levar tudo tão a sério.
E isso é lindo.
É o convite pra parar de bancar o herói do filme e começar a dançar no meio da festa, entre o caos e a ordem.
Pra amar, rir, criar e incomodar os outros com artigos sarcásticos — porque você só tem esse gole de cerveja antes da virada.
Brinde ao agora.
E faça do seu piscar de olhos algo tão bom que, se o universo tiver replay, ele queira assistir de novo.
Faça desses 0,00012 segundos algo tão memorável que, se o universo estiver mesmo assistindo, ele pare para ver de novo.
👉 Moral da história (se é que sobra alguma)
A vida é breve. O esquecimento é certo. O universo é indiferente.
Você é pó. Poeira. Um frame borrado. E enquanto insiste em se levar a sério, o universo gargalha sem som.
Então, a pergunta não é “qual é o sentido da vida?”, mas:
que sentido eu escolho criar antes que o tempo me devore?
Não se leve tão a sério.
E sim — pode virar therian, comer morangos do amor, usar chupeta, ter um bebê reborn ou viajar pelo mundo na Scania dos Txais.
Faça o que quiser, contanto que seja de verdade.
Mas Deus… bem, essa é outra história.
Fica pra próxima, companheiro de jornada.
Mas o convite é só um: viva esse segundo com presença, porque ele não volta.
E, por favor: da próxima vez que um boleto chegar, lembre-se que ele também é só um sopro cósmico. Pena que vence em 3 dias úteis.
E da próxima vez que você se achar importante, lembre-se: no grande cinema do cosmos, você não é a estrela.
Você é um frame borrado, cortado na edição final, que nem aparece nos extras do DVD.
Rir é bem mais barato que terapia (e não precisa de plano de saúde).
E faça desses 0,00012 segundos algo que valha a pena.
Essa percepção de que cada vida é breve e preciosa é lindamente retratada no filme “A Vida de Chuck: quando cada existência é um universo inteiro“ — nascendo, crescendo e se apagando, exatamente como Carl Sagan nos mostra no seu calendário cósmico. É o mesmo ponto que explorei no artigo “O Teatro da Ostentação: A Hipocrisia das Redes e da Vida”, onde critiquei essa mania de transformar nossa piscada de olhos em um palco de vaidades e likes. No fundo, tudo é teatro: a cortina desce para todos e o que resta não são os aplausos, mas a pergunta incômoda — o que você fez com o tempo que tinha?
E não se esqueça: toda segunda, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” traz humor para os dias difíceis. Sábado a gente fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor e editor-chefe do Factótum Cultural. Se perdeu entre os livros, os filmes, os boletos e os rituais de Ayahuasca. Escreve para não enlouquecer — e às vezes enlouquece para escrever melhor.






Deixe um comentário