Outro dia eu fiz um teste. Postei uma foto dirigindo um carrão. Nem minha foto era. Eu ando é de Uno. Bastou aquilo para aparecer curtidas, mensagens, convites, gente puxando papo como se eu tivesse virado astro de novela de uma hora pra outra. Engraçado: a mesma massa que quase nunca aparece quando compartilho algo verdadeiro — uma reflexão sincera, uma dica de livro, um filme que pode abrir horizontes, uma palavra de espiritualidade, ou até um gesto de ajuda. Quando vem da minha essência, o silêncio é quase absoluto.

E aí eu percebo o óbvio que a gente tenta negar: as pessoas não gostam de pessoas. Gostam daquilo que você aparenta ter. Gostam da ilusão, da vitrine, do reflexo dourado que nunca encontraram no próprio espelho. É podre, é triste, é repugnante.

As redes sociais só escancaram essa miséria. Viraram um mercado de vaidades, um puteiro elegante onde cada um se vende como pode. Muitos são o que chamo de atores do falso espetáculo: não apenas reagem à ilusão — vivem dela. Uns apostam no corpo, outros em sorrisos forçados, alguns em frases prontas. Há quem ostente restaurantes caros como troféu, quem exiba viagens parceladas como se fossem rotina de milionário, quem encha o feed com cafés da manhã de revista e uma felicidade sem fim. Outros vendem mentorias milagrosas prometendo sucesso que nunca viveram, compram seguidores para inflar um ego vazio, ou encenam profissões que não dominam — profissional de carão, coach de selfie, empresário sem empresa. E ainda existem os relacionamentos de vitrine: casais que exibem amores perfeitos no Instagram enquanto travam guerras frias em casa. É uma felicidade forçada, barulhenta e falsa, como se tristeza fosse crime e autenticidade fosse pecado.

A lógica é sempre a mesma: não importa quem você é, importa só a embalagem. Mostram quem não são, com coisas que não têm, apenas para inflar um ego que cresce para fora, mas apodrece por dentro. Essa turma é a caricatura final da tragédia humana: escravos de uma vida que não existe, encenam papéis de sucesso enquanto choram de tédio nos bastidores. O ego explode em luzes artificiais, mas a alma permanece apagada.

E não falo isso como alguém que nunca se sujou. Eu também já caí nessas armadilhas. Já postei coisa só pra inflar o ego, já me iludi com aplausos vazios, já confundi curtida com afeto. A vida foi me ensinando, no tapa, que tudo isso é fumaça do ego. Ilusão barata que desaparece na primeira ventania.

Do meu lado como advogado, vejo a mesma cena. Abro as redes e vejo de tudo, menos Direito. Vejo carrão na frente de fórum, selfie de terno como se fosse ensaio de moda, capa de petição exibida como troféu, stories de audiência como se presença fosse vitória. Vejo advogado que não estuda, mas posa de guru oferecendo mentoria milagrosa. Vejo gente que nunca ganhou uma causa séria vendendo curso de “10 passos para advogar do zero ao milhão”. É uma caricatura. Ninguém mostra a luta real, o peso de defender gente de verdade, a responsabilidade de segurar a vida de um cliente nas mãos. Preferem a performance, o teatro digital. É o mesmo puteiro elegante: só muda a fantasia.

Tem também os iluminados de Instagram: vendem paz, mas vivem em guerra; postam “namastê”, mas carregam o ego maior que o Himalaia. Falam de energia, mas não sustentam nem a própria sombra. É uma espiritualidade de vitrine — só muda a cor do filtro, a embalagem continua vazia.

E não dá pra esquecer da turma do autoconhecimento enlatado. Gente que oferece técnicas infalíveis, terapias mágicas e frases quânticas de efeito como se fossem receita de bolo. Prometem lei da atração, riqueza em sete dias, cura instantânea e iluminação parcelada no cartão. Transformaram a busca interior em vitrine de negócio. Não buscam alma, buscam seguidores. Não despertam consciência — só alimentam consumo.

E a massa, essa plateia descartável, é hipócrita. Some quando você está mal, pobre, doente, mas aparece em peso quando você parece estar bem. Ignora quando você divide algo que realmente pode somar na vida de alguém, mas enlouquece diante de uma selfie com cara de rico. Não aplaudem quem você é — só a máscara que você veste. É um rebanho faminto, sugando pedaços de encenação para tapar o vazio da própria vida medíocre.

Bukowski já avisava: “Eu não odeio as pessoas. Só me sinto melhor quando elas não estão por perto.” Eu acrescento: porque, quando estão, viram apenas um espetáculo barato, de quinta categoria, em que todo mundo finge ser feliz enquanto sangra nos bastidores.

E sabe por quê? Porque as pessoas não querem ouvir a verdade. Não querem que suas ilusões sejam destruídas. Nietzsche já dizia que a verdade é dura demais para a maioria, porque exige coragem. A ilusão, ao contrário, é macia, barata e popular: só exige curtida.

Vivemos a era dos zumanos: gente que anda, mas não vive. Escolhem o filtro em vez da verdade, a anestesia em vez do silêncio, a mentira bonita em vez do real. Se anestesiam de curtida em curtida como viciados químicos, sem perceber que o barato é cada vez mais curto e a ressaca cada vez mais longa.

Como dizia meu falecido avô: “você vale o que você tem.” Eu cresci num lar assim, onde essa lógica era lei. Vi meus pais e tios reproduzindo isso — e até hoje muitos ainda acreditam que o valor de alguém cabe na conta bancária ou no carro da garagem. Eu tento quebrar esse paradigma, porque acredito que as pessoas valem pelo que são, ou pelo menos pelo esforço de se tornarem, a cada dia, alguém melhor.

Nietzsche, do outro lado, grita: torna-te quem tu és.” E é aí que mora o conflito: entre ser e parecer, essência e vitrine, humano e zumano.

E que fique claro: não tenho nada contra quem tem dinheiro ou ostenta. Cada um sabe das próprias vitórias, dores e escolhas. O que me incomoda é a superficialidade. O quanto nos perdemos da nossa essência. O quanto nos reduzimos a cascas brilhantes, esquecendo que dentro de nós havia alma.

E apesar de tudo, nem tudo é podridão. Existe uma minoria luminosa. Gente rara que não se alimenta de carrão, mas de verdade. Pessoas que enxergam além da superfície, que não fogem da dor, que querem o bem sem inveja, que celebram contigo as vitórias pequenas e permanecem quando a plateia já foi embora. Esses não são fumaça — são luz.

E é por eles que vale a pena. Não só escrever. Viver. Porque no fim, o resto é só barulho que o vento leva. Mas os iluminados permanecem. Firmes como faróis na escuridão.


No fundo, tudo isso que escrevo aqui é continuação de outras reflexões que já dividi. Como naquele artigo em que falei do ditado conforme o carro de boi anda, as tralhas se agasalham — lembrando que a vida vai se ajeitando do jeito que dá, mesmo que aos trancos. Ou quando contei sobre meu encontro com a lagartixa em Animais de Poder: quando o Grande Espírito me deu… uma lagartixa, e como até um ser tão pequeno pode trazer a mensagem do Grande Espírito. Tudo isso aponta para a mesma direção: aprendizados verdadeiros vêm da essência, do invisível, e não do espetáculo vazio que tentam nos empurrar.

E não se esqueça: Todo sábado, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio. Segunda a gente volta com humor para os dias difíceis.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor e editor-chefe do Factótum Cultural.

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