Por Iara Aparecida Dams
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_b58693ed41d04a39826739159bf600a0/internal_photos/bs/2020/w/7/fxAU8YRli2v6LI7y3bZA/istock-1141968788-dicas-de-redacao.jpg)
Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando…[1]
Escrever é doar-se ao papel, é pôr em palavras pedaços de si, expondo-se ao mundo como se fosse um diário publicado em jornal. É preciso ter uma enorme coragem para fazê-lo, mesmo que com a esperança de nunca ser lido, afinal ao escrever estamos dando vida e significado aos nossos pensamentos e abstrações.
Clarisse escrevia para traduzir os sentimentos que se acumulavam em alma e, creio eu, ser uma excelente definição. Sentimentos agem como um turbilhão, misturam-se e escondem-se, mentem e são sinceros. Ao colocá-los no papel os definimos, talvez não conseguimos abranger tudo que sentimos, mas é um ótimo exercício para a alma.
Exercício que pode ter vários resultados, alívio, alegria, dor, raiva. O que mais me ocorre é a frustração. É tão complicado definir em palavras sensações que muitas vezes nem compreendemos ao certo. Seria como definir o gosto de um beijo apaixonado, o calor de um abraço acolhedor, explicar as milhões de ideias que passam pela nossa cabeça em um minuto.
Fernando Pessoa costumava dizer que “a literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida.[2]” Existe um efeito que ocorre quando lemos, a verossimilhança, que é como um acordo entre leitor e escritor, onde ambos aceitam que os fatos que se desenrolam no livro são reais. E uma das melhores sensações que existem é quando aceitamos este contrato, mergulhamos fundo no enredo e vivenciamos a história.
Esse ato de ignorar a vida também é uma maneira de compreendê-la. A literatura não é apenas um ponto de fuga mas de aprendizagem, um romance não deixa de ser uma uma história que ainda não aconteceu. E escrever é sonhar com essas possibilidades para a vida.
Mas então, por que é tão difícil escrever? A sociedade vem impondo limites para a escrita, exigindo do autor meios e fins que comprovem o que o move. Eu, escritora, escutei muitas vezes me questionarem sobre quem eu era para afirmar ou negar minha teoria, quem eu sou para ter uma posição sobre determinado assunto? Para escrever tem que ter nome e renome.
Não basta ter opinião, ter articulação de palavras, deve-se ter voz para defender-se. A imaginação e a criatividade vão sendo sufocadas aos poucos, e vemos cada vez mais a folha em branco… e continua em branco. Entende-se muito bem quando Luís Fernando Veríssimo diz: “A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer ‘escrever claro’ não é certo, mas é claro, certo?”[3]
Logo pode-se compreender o motivo das crianças terem tanta facilidade para escrever e inventar, pedir a elas para criar uma história com um elefante azul e um leão marciano não é desafio, é diversão! E a criatividade delas é tamanha que supera todas as expectativas.
Mas a criança cresce, fica à sombra de uma montanha de regras impostas e a criatividade, não se perde, mas fica tímida e temerosa. Erro fatal. A folha colorida de ideias vai desbotando e perdendo o brilho. As mais teimosas insistem nos tons alegres das palavras, mas tem aquelas que optam pelo preto e branco. Triste realidade que maltrata a imaginação.
Enfim, chego a conclusão que escrever é doar-se. Ler é abstrair-se. Fazê-los é apenas para quem está realmente vivo.
REFERÊNCIAS
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Vol.II. Lisboa: Ática, 1982.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. O gigolô das palavras. 8. ed. Porto Alegre: L&PM, 1982.
[1]Clarice Lispector
[2]Fernando Pessoa, “Escrever é esquecer”.
[3]Luís Fernando Veríssimo, “O Gigolô das Palavras”.

Iara Aparecida Dams, professora de Língua Espanhola no Colégio São José – PU. Graduada em Letras: Português/Espanhol (UNESPAR). Pós-graduada em Alfabetização, Letramento e Literatura Infantil (UNINA). Cursando Pedagogia (UNIASSELVI). Poetisa e escritora. Colunista do Factótum Cultural.
Os artigos publicados, por colunistas e articulistas, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Factótum Cultural.






Deixe um comentário