Escrever Para Não Enlouquecer – Por Neemias

Existem dores que não somem. Apenas dormem.
E, quando chega a vida adulta, elas acordam — com nome, endereço e CPF.
Chamamos isso de relacionamento.
Grande parte do que vivemos no amor não é escolha consciente, mas repetição emocional inconsciente.
Carregamos os programas afetivos dos pais para dentro das relações, como quem abre um computador velho e espera que ele rode o Windows de 2025.
Mas não roda.
E a vida trava.
A seguir, um mapa honesto e necessário sobre por que atraímos o que atraímos — e, mais importante, como mudar esse destino repetido.
1. A Mulher Ferida Pelo Pai e o Amor Que Não Flui
Uma mulher com mágoas do pai dificilmente encontra paz com outro homem.
Não porque ela não mereça amor, mas porque:
- ela não confia totalmente;
- espera rejeição;
- tenta consertar o que não criou;
- escolhe homens que reproduzem a ferida original.
O amor vira missão.
O relacionamento vira cirurgia.
O parceiro vira paciente.
E, no fundo, ela não está tentando salvar o homem —
está tentando salvar o pai.
Cura:
Voltar à criança ferida e dizer a ela:
“Eu não preciso mais repetir essa história.”
2. O Narcisista: o Poço Sem Fundo da Validação
O narcisista não busca amor — busca aplauso.
O que ele encontra nunca basta.
Curtidas viram alimento.
Seguidores viram muleta.
A vida perfeita vira máscara.
Mas aqui está a verdade cruel:
por trás de todo narcisista há uma criança invisível que nunca foi aplaudida.
Ele não quer ser amado — quer ser visto.
Mas nada preenche, porque a visão que ele mais precisava nunca veio.
Cura:
Contato com o eu real, trabalho com sombra, verdade emocional.
A autoestima só nasce quando você para de procurar espelhos e começa a procurar raízes.
3. Permitir que o Programa dos Outros Comande Sua Vida
Quando você deixa:
- a dor dos seus pais,
- o trauma do seu parceiro,
- o comportamento tóxico de alguém,
ditar seus passos…
você está dizendo à sua alma:
“Você não merece estar no comando.”
Isso é falta de amor-próprio na versão hard.
É autossacrifício emocional.
É abdicação da própria existência.
Cura:
Cortar contratos invisíveis.
Romper lealdades inconscientes.
Aprender a dizer “isso é seu, não meu”.
4. Quem Atrai Quem — e Por Quê?
Na psicologia junguiana, os opostos se atraem porque se completam nas sombras:
- Controlador → dependente
- Agressivo → submisso
- Isolado → solitário
- Desconfiado → mentiroso
- Egoísta → orgulhoso
- Irônico → debochado
- Sabe-tudo → ignorante
- Nervoso → irritado
- Vítima → culpado
- Invejoso → exibido
Esses pares não se formam por afinidade, mas por ferida complementar.
Cada um oferece ao outro exatamente aquilo que ele teme… ou aquilo que ele precisa enfrentar.
Cura:
Reconhecer o padrão sem julgamento.
Nada se transforma enquanto você tenta culpar o outro.
5. Seu Parceiro é Reflexo da Sua Criança Ferida
Não existe “meu tipo”.
Existe meu trauma.
A pessoa que você escolhe:
- ativa sua dor,
- expõe sua insegurança,
- aciona seu abandono,
- reacende sua raiva,
- toca na ferida que você não tratou.
Isso não é castigo —
é oportunidade.
A alma escolhe o parceiro que faz a ferida aparecer
para que finalmente possa ser curada.
Cura:
Trabalho interno.
Reparenting (recriar a relação parental dentro de si).
Jung chamava isso de individuação: tornar-se inteiro.
6. “A Mulher que Tenta Consertar Homens Quebrados”
Essa é clássica.
A mulher que tenta salvar, curar, reabilitar, consertar homens emocionalmente indisponíveis…
carrega, no fundo, raiva do pai.
Tenta resolver com o parceiro aquilo que nunca conseguiu resolver com ele.
É um ritual de repetição.
Mas a cura jamais virá através do outro.
O que ela tenta salvar no homem…
é justamente o que foi destruído nela quando criança.
Cura:
Deixar de ser mãe emocional de homens adultos.
Aprender a receber — não apenas a oferecer.
7. O Pai Agressivo e a Castração do Filho Homem
Quando o pai é agressivo:
- o menino se sente pequeno demais,
- incapaz,
- emasculado,
- sem poder,
- com raiva proibida.
Ele cresce tentando ser um dos extremos:
hipermasculino (dominador)
ou
hipomasculino (submisso, inseguro).
Ambos são resultado do mesmo trauma:
a energia masculina interior foi ferida.
Cura:
Reconstruir a relação com a própria força.
Curar a sombra masculina.
Aprender a ser firme sem ser agressivo —
e vulnerável sem ser fraco.
8. Terapia Quântica Junguiana: Integrar Para Deixar de Repetir
Quando falamos em cura, falamos em:
- trabalhar a sombra,
- rever padrões sistêmicos,
- liberar lealdades invisíveis,
- curar arquétipos feridos,
- reconectar a alma ao corpo.
A cura ocorre quando você entende:
“Eu não sou mais a criança que sofreu.
Mas ainda carrego suas reações.”
E então devolve cada dor ao seu lugar.
9. O Caminho Final: Atravessar a Noite Interna
O amor só vira liberdade quando deixa de ser repetição.
O parceiro só vira parceiro quando deixa de ser pai ou mãe simbólicos.
O relacionamento só vira escolha quando deixa de ser destino.
As pessoas se encontram na carne —
mas só se reconhecem na alma.
E a alma só ama de verdade
quando não está mais tentando curar o passado.
Epílogo – Sobre mim, sobre nós
No fim de tudo, percebo que não estou escrevendo sobre “as pessoas”.
Estou escrevendo sobre mim.
Sobre o menino que buscava amor nos silêncios do pai.
Sobre o homem que tentou ser forte demais, bom demais, perfeito demais,
só para não ter que encarar o próprio vazio.
Percebo que também me perdi entre curtidas, narrativas, máscaras e conquistas.
Também quis ser visto.
Também tentei consertar quem não pediu cura.
Também repeti dores antigas achando que eram escolhas novas.
E, por mais que eu fale de feridas ancestrais, arquétipos, terapia junguiana, ego digital e padrões emocionais, a verdade é simples:
eu também estou aprendendo a voltar para casa.
A cura não é um destino — é uma caminhada.
E às vezes caminho torto, às vezes paro, às vezes volto, às vezes me encontro.
Hoje entendo que o que buscamos no outro
é aquilo que perdemos de nós mesmos.
Entendo que ninguém é responsável pelo meu vazio
e ninguém é culpado pela minha dor.
E, mesmo assim, ainda tropeço nos velhos buracos
como quem esquece que está carregando o próprio coração nas mãos.
Mas sigo.
Mesmo ferido, sigo.
Mesmo confuso, sigo.
E sigo porque algo dentro de mim —
um sopro, um brilho, um deuszinho tímido —
insiste em me lembrar que ainda há luz.
E é por isso que escrevo.
Escrevo porque escrever é meu jeito de respirar.
Meu jeito de me curar.
Meu jeito de não me perder de mim.
Talvez no fim eu não queira ser mais do que isso:
Txai Ninguém.
Não um nome, não um título, não uma persona.
Apenas um espaço vazio o suficiente
para que a vida passe, fale, cure e transforme.
Se eu conseguir isso —
se eu conseguir lembrar quem sou sem precisar das histórias que conto —
então já terá valido a pena.
E se, de algum modo, minhas palavras ajudarem você
a lembrar de quem sempre foi…
então seguimos juntos,
mesmo que em silêncio,
mesmo que distantes,
mesmo que ninguém saiba.
Porque, no fundo, toda cura é um reencontro.
E toda jornada é um retorno ao lar
que sempre esteve dentro.
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⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor, místico, cômico e editor-chefe do Factótum Cultural.





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