Escrever Para Não Enlouquecer – Por Neemias

Há frases que se tornam virais por exagero, romantismo ou drama.
E há outras que se espalham porque são simples demais para serem mentira.
Uma delas voltou a circular, e merece ser encarada com a calma de quem sabe que palavras podem carregar bisturis:
“Conheça seu cônjuge no divórcio, seus irmãos no inventário, seus filhos na velhice e seus amigos na dificuldade.”
É uma frase direta, quase brutal, que parece saída da experiência acumulada de milhões de pessoas — não por pessimismo, mas por observação.
Ela toca em quatro pilares da vida humana:
o amor, a família, a descendência e a amizade.
Quatro fases onde esperamos apoio, mas onde a vida também coloca seus testes mais difíceis.
A seguir, vamos destrinchar cada parte dessa máxima que, por mais que doa, permanece atual porque descreve comportamentos que se repetem geração após geração.
1. “Conheça seu cônjuge no divórcio.”
Enquanto o amor existe, a convivência nos molda, os planos nos motivam e a vida a dois parece uma dança possível.
Mas quando o relacionamento chega ao fim…
é ali que surge a verdadeira face.
O divórcio tem essa curiosa capacidade de revelar:
- quem respeita a história vivida
- quem honra a dignidade do outro
- quem escolhe a guerra quando poderia escolher a paz
- quem transforma ferida em vingança
Não é à toa que tantos juristas, psicólogos e terapeutas concordam:
o divórcio é uma das maiores provas de caráter da vida adulta.
2. “Conheça seus irmãos no inventário.”
Inventário não é sobre bens.
É sobre memórias, ressentimentos, comparações, favoritismos parentais, feridas de infância mal resolvidas.
Quando um patriarca ou matriarca parte, a família se vê diante de duas possibilidades:
- honrar o legado, ou
- disputar o espólio.
E é impressionante como a presença do dinheiro muda o tom das conversas, das reuniões e até das expressões faciais.
Alguns revelam generosidade; outros, voracidade.
Alguns unem; outros racham.
Poucas situações testam tanto o vínculo familiar quanto decidir “quem fica com o quê” após a morte de alguém amado.
3. “Conheça seus filhos na velhice.”
A velhice é o capítulo mais sincero da vida.
É quando o corpo pede ajuda, a autonomia diminui e a presença dos filhos — ou a ausência deles — ganha todo o significado.
Ali percebemos:
- quem cuida por amor,
- quem visita por obrigação,
- quem some por conveniência,
- quem só aparece quando espera receber algo.
Filho de verdade não se mede na infância, quando depende dos pais,
mas na velhice dos pais, quando os pais dependem dos filhos.
4. “Conheça seus amigos na dificuldade.”
Amigos existem aos montes quando tudo vai bem.
É fácil brindar, rir, planejar viagens, trocar mensagens animadas.
A verdadeira peneira aparece quando:
- o dinheiro falta,
- a saúde balança,
- a mente desmorona,
- o mundo desaba.
A dificuldade não cria amigos verdadeiros,
ela apenas revela quem já era.
E, quase sempre, o número final é bem menor do que imaginávamos.
Por que essa frase é tão universal?
Porque ela descreve situações onde o ser humano é colocado sob pressão.
E a pressão, como sabemos, quebra máscaras.
Não importa a cultura, a classe social ou a época:
esses quatro cenários revelam, com precisão incômoda, aquilo que cada pessoa realmente carrega dentro de si.
Não é uma frase amarga.
É uma frase lúcida.
E a lucidez, às vezes, dói mais do que a mentira reconfortante.
EPÍLOGO – QUANDO A VIDA CONFIRMA A FRASE
Eu não escrevo sobre essa frase apenas pela beleza da análise.
Eu escrevo porque eu vi e vivi.
Vi cônjuges se transformarem em estranhos no fim da relação.
Vi famílias ruírem em inventários.
Vi filhos abandonarem e outros salvarem.
Vi amigos sumirem no exato momento em que a dificuldade começou.
Passei por situações que me jogaram de frente com a natureza humana —
algumas me feriram, outras me despertaram, todas me ensinaram.
E, por já ter atravessado meu próprio pandemonium,
hoje eu carrego uma certeza tranquila:
eu não quero — e não vou — repetir as lições que a vida já me deu com sangue.
Aprendi a reconhecer sinais antes do colapso,
a escolher vínculos com consciência,
a permanecer sereno mesmo quando o mundo mostra seus dentes.
A frase inicial não é uma profecia sombria.
É apenas um lembrete de que a vida revela o ser humano quando o cenário aperta.
E, sabendo disso,
eu sigo mais leve —
porque agora caminho com os olhos da experiência
e a alma de quem já voltou do inferno com vontade de não retornar.
📖 Não deixe de ler nosso conteúdo anterior:
E não se esqueça: Sábado, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio. Segunda a gente volta com humor para os dias difíceis.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor, místico, cômico e editor-chefe do Factótum Cultural.






Deixe um comentário