Factótum Cultural

Escrever Para Não Enlouquecer / Por Neemias

“O ser humano é o único animal que precisa pagar pra viver num planeta onde nasceu de graça.”
— Autor desconhecido (provavelmente alguém na fila do banco numa segunda-feira)

Se eu topar com o sujeito que teve a brilhante ideia de transformar o paraíso em expediente, não prometo conversa: prometo uma taca pedagógica.
Zeus criou o Éden. O homem criou o Excel.

A palavra “trabalho” vem de tripalium, um instrumento de tortura feito com três paus — usado pra amarrar e castigar escravos.
Ou seja, desde o início, trabalhar significava sofrer.
E olhando pra segunda-feira, parece que o espírito do tripalium segue vivo — só trocaram o chicote por boleto.

Dizem que o trabalho dignifica o homem.
Mentira.
O que dignifica é viver, criar, amar, dormir, respirar.
O trabalho, desse jeito que o sistema impôs, adoece.
É o castigo moderno disfarçado de virtude.
E o rebanho ainda agradece: “Obrigado, chefe, por mais uma oportunidade de enlouquecer com responsabilidade.”

Zeus nos deixou com frutas, amor e sombra.
Mas veio o primeiro gênio do mal, talvez subordinado ao Kiabo — o inventor do trabalho — e achou que o paraíso precisava de uma agenda e uma meta.
Desde então, a humanidade troca vida por produtividade, e ainda posta “gratidão” no LinkedIn.

Enquanto isso, a alma geme.
Quer sentido, quer tempo, quer paz.
Mas o boleto vence antes.
E lá vai o homem moderno, com o olhar vazio e o celular vibrando, achando que o propósito é pagar conta em dia.

O verdadeiro milagre, hoje, é conseguir não enlouquecer.
Não é preguiça, é lucidez.
O sistema enlouqueceu e chamou de rotina.
Por isso, eu sigo firme: o dia em que eu encontrar o cara que inventou o trabalho, ele vai tomar uma surra — com boleto autenticado e firma reconhecida.

Enquanto o mundo trabalha,
eu respiro.
E sonho com o dia em que “segunda-feira” volte a significar
apenas mais um dia no paraíso.

E eu, advogado cansado de defender o indefensável (inclusive a sanidade),
entro na segunda já exaurido,
com cara de quem sobreviveu a uma audiência com o Kiabo.

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Não deixe de ler nosso texto anterior:

Amor em Dois Tempos: Do Boi ao iPhone

E não se esqueça: segunda, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” traz humor para os dias difíceis. Sábado a gente fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio.