Por Tela Mística

Alejandro Jodorowsky é um cineasta chileno conhecido por unir filosofia, misticismo e surrealismo em filmes que parecem rituais de iniciação. Entre suas obras mais marcantes estão “El Topo” (1970) e “The Holy Mountain” (1973). Ambos formam um díptico espiritual — dois lados da mesma busca: a tentativa humana de alcançar o divino e compreender a si mesmo.
🌵 El Topo (1970): o faroeste místico sobre ego, culpa e redenção
1. Enredo
No deserto mexicano, um pistoleiro chamado El Topo (o “toupeira”) cavalga com seu filho pequeno, nu, realizando um estranho ritual de passagem: ele faz o menino enterrar um urso de pelúcia e declara que, a partir daquele dia, já é um homem. Logo depois, encontram uma aldeia destruída por um coronel sádico. El Topo mata o coronel, liberta uma mulher e parte com ela, deixando o filho aos cuidados de monges.
A mulher exige que ele prove ser “o melhor pistoleiro do deserto” derrotando quatro mestres, cada um com uma filosofia de vida. El Topo vence todos, mas sempre trapaceando — simbolizando que tenta alcançar a iluminação sem abandonar o ego. Traído e baleado, é encontrado por um grupo de pessoas deformadas e levado para uma caverna.
Anos depois, desperta transformado. Agora vive entre os deformados e decide libertá-los escavando um túnel até a superfície. Com ajuda de uma anã, faz apresentações na cidade para juntar dinheiro. Quando finalmente abre o túnel, os deformados saem — e são mortos pela população fanática. Desesperado, El Topo mata os assassinos e, tomado pela culpa, se incendeia, morrendo em posição de meditação. O filho, agora adulto, parte com a companheira e o bebê que nasce naquele momento.
2. Significado e temas
- O nome “El Topo” (toupeira): representa o ser humano que cava na escuridão do inconsciente em busca de luz.
- Os quatro mestres: simbolizam diferentes caminhos espirituais (ascetismo, desapego, técnica, contemplação). El Topo os derrota sem compreender o que ensinam — crítica à busca espiritual superficial.
- Os deformados: representam as partes rejeitadas da humanidade e de si mesmo. A libertação deles é a tentativa de integrar o que foi reprimido.
- O fogo final: é a morte do ego e o renascimento simbólico. Da destruição nasce a colmeia — a consciência coletiva.
No fundo, El Topo fala da transformação pela dor. É a descida ao inconsciente, o enfrentamento da própria sombra. O herói precisa morrer para que o homem desperto possa nascer.
⛰️ The Holy Mountain (1973): a subida ao topo e o fim da ilusão
1. Enredo
Três anos depois, Jodorowsky amplia sua visão mística. The Holy Mountain acompanha um homem sem nome — chamado apenas de O Ladrão, semelhante a um Cristo — que vagueia pelo deserto e chega a uma cidade dominada pelo consumismo, pela violência e pela religião-mercadoria. Pessoas produzem e vendem réplicas de seu corpo crucificado.
Ele conhece um misterioso Alquimista (interpretado pelo próprio Jodorowsky), que o conduz a uma série de rituais: purificação, renúncia e iniciação. Em uma cena icônica, o Alquimista transforma as fezes do ladrão em ouro, dizendo:
“Você é excremento. Pode transformar-se em ouro.”
A frase sintetiza toda a filosofia do filme: o processo espiritual é a transmutação do impuro em sabedoria.
O Alquimista reúne sete pessoas, cada uma representando um planeta e um setor do poder humano — indústria, guerra, política, religião, arte, ciência, arquitetura. Ele propõe que abandonem suas riquezas e o sigam até o topo da Montanha Sagrada, onde vivem nove sábios imortais que dominam o mundo.
Durante a jornada, passam por experiências simbólicas: perda de identidade, tentação, visões e confrontos com o ego. Ao chegarem ao topo, encontram os supostos imortais — mas são manequins. O Alquimista, então, olha para a câmera e ordena:
“Zoom back, camera!
A vida real nos espera.”
A câmera recua, revelando o set de filmagem e a equipe. O filme rompe a ilusão e termina dizendo que a verdadeira iluminação está fora da tela, na realidade.
2. Significado e temas
- Crítica ao consumismo espiritual: o filme ironiza a religião transformada em indústria, a busca de iluminação como produto e a arte como vaidade.
- A alquimia interna: transformar o “lixo” interior (traumas, egoísmo, medo) em ouro espiritual — símbolo da consciência desperta.
- Os sete planetas: representam os vícios do mundo moderno — poder, beleza, guerra, sexo, tecnologia, controle, dinheiro.
- O “Zoom back” final: quebra a ilusão do cinema e da própria busca espiritual. Não há mestres, nem montanha sagrada: apenas a vida cotidiana, o único lugar onde é possível evoluir.
The Holy Mountain é o oposto de El Topo.
Se o primeiro mostra a descida à escuridão interior, o segundo mostra a subida rumo ao espírito — para, no fim, destruir até essa ideia de “subida”.
☀️ Conclusão: duas faces da mesma jornada
| Elemento | El Topo | The Holy Mountain |
|---|---|---|
| Movimento espiritual | Descida ao inconsciente | Subida ao espírito |
| Tema central | Culpa e redenção | Ilusão e despertar |
| Elemento simbólico | Fogo e túnel | Ouro e montanha |
| Mensagem final | A morte do ego liberta | A iluminação não está no topo, mas na realidade |
Jodorowsky propõe que a espiritualidade verdadeira é experiência, não teoria.
Em El Topo, o homem tenta ser deus e fracassa.
Em The Holy Mountain, o homem procura deus e descobre que não há nada além da própria consciência.
No fim, os dois filmes se completam:
um cava o túnel da alma, o outro sobe a montanha do espírito — e ambos nos lembram de que a iluminação não está no deserto nem no cume, mas no meio da jornada, onde ainda somos humanos.
🎬 Os filmes não acabaram — há sempre uma cena pós-créditos. Descubra-a em:
✍️ Editores do Factótum Cultural






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