Por Jocymar Sales

Publicado em 1984, “A Insustentável Leveza do Ser” é muito mais que um romance; é uma meditação filosófica profunda sobre a existência humana, disfarçada de história de amor e traição. Milan Kundera tece uma narrativa complexa que acompanha a vida de quatro personagens entrelaçadas contra o pano de fundo da Primavera de Praga de 1968 e a subsequente invasão soviética da Tchecoslováquia.
A Ideia Central: Leveza versus Peso
O título do livro já explica a ideia principal, que vem da filosofia de Friedrich Nietzsche.
• Peso (Se a vida se repete): Nietzsche dizia que, se tivéssemos que reviver nossa vida infinitamente (o “Eterno Retorno”), cada ação teria um peso enorme, pois a reviveríamos para sempre.
• Leveza (Se a vida é única): Kundera inverte a ideia: e se a vida acontece apenas uma vez, sem chance de ensaio ou repetição? Nesse caso, tudo se torna leve, sem importância duradoura, quase irreal.
• O Paradoxo: Essa leveza, por não ter consequências eternas, faz com que nossas escolhas percam o significado, tornando a vida vazia. É essa “leveza” que se torna, ironicamente, insustentável (difícil de suportar).
A grande pergunta do livro é: como podemos viver com essa leveza assustadora?
Os Personagens Principais e Suas Psicologias
Cada personagem principal encarna um conflito diferente entre leveza e peso.
1. Tomás: É um cirurgião inteligente e um “mulherengo inveterado” (que gosta muito de ter muitas amantes).
- Sua vida é dividida entre o amor por Tereza (que é o peso, a responsabilidade e a coisa única) e seu desejo por outras mulheres (que é a leveza, a liberdade e a repetição).
- Para ele, o amor por Tereza é absoluto, mas o sexo com as amantes é um prazer superficial.
- Ele demonstra peso quando se recusa a desistir de suas ideias políticas após a invasão soviética. Depois, ele busca uma forma diferente de leveza ao ir viver no campo com Tereza, fugindo das responsabilidades da carreira.
2. Tereza: É o oposto de Tomás. Ela busca desesperadamente o peso e a união entre corpo e alma.
- As traições de Tomás a machucam muito, pois para ela o corpo não está separado do amor.
- Ela luta contra a leveza da traição e tenta encontrar seu próprio peso por meio da fotografia e, depois, cuidando de animais no campo.
3. Sabina: É amante de Tomás e Franz. Ela representa a leveza ao máximo.
- Sua filosofia é a da traição como um valor positivo, ou seja, romper com o que está estabelecido.
- Ela foge de tudo que impõe peso: compromisso, pátria, amor possessivo e o kitsch (que é a negação da parte feia da vida).
- No fim, sua leveza total a leva a uma solidão insuportável.
4. Franz: É um professor universitário idealista. Ele busca um peso significativo.
- Ele se envolve em causas importantes (que Kundera chama de “Grande Marcha”) e busca autenticidade, mas não entende a natureza leve e de “traição” de Sabina.
- Sua vida de busca por sentido termina de forma irônica e sem grandeza, com uma morte absurda.
O Momento Histórico: A Invasão de 1968
A Primavera de Praga e a invasão soviética não são apenas um pano de fundo, mas um personagem ativo. O evento histórico é o campo de batalha onde os conceitos de leveza e peso são testados em escala social.
A invasão é o peso brutal da história esmagando a leveza dos reformistas da Primavera de Praga.
A vida sob o regime totalitário impõe um peso opressivo, onde cada gesto pode ser politizado e vigiado.
A resposta dos personagens à opressão define suas naturezas: Tomás recusa inicialmente ceder (peso), mas depois se retira (leveza); Tereza documenta a brutalidade (peso); Sabina trai o país fugindo para o Ocidente (leveza); Franz marcha solidariamente em vão (busca de peso).
A Intersecção com Nietzsche
A relação com Nietzsche é fundamental e estrutural:
Leveza vs. Peso: Como dito, o romance é uma longa investigação da dicotomia que Nietzsche explorou. A vida única (leve) versus a vida que retorna eternamente (pesada).
Amor Fati (Amor ao Destino): A aceitação final de Tomás e Tereza de sua vida simples no campo, longe de suas ambições anteriores, pode ser lida como uma espécie de amor fati. Eles encontram a felicidade não na grandiosidade, mas na aceitação de seu destino comum, um peso que escolheram carregar juntos.
Moral de Senhores vs. Moral de Escravos: Tomás, com seu desprezo pelas convenções e seu hedonismo, e Sabina, com sua ética da traição, aproximam-se de uma “moral de senhores”, que cria seus próprios valores. Tereza e Franz, por outro lado, são mais presos a uma moral de compaixão e busca por um significado externo (uma “moral de escravos”, na terminologia nietzschiana).
Conclusão
A Insustentável Leveza do Ser é um livro desafiador e inesquecível. Kundera não oferece respostas fáceis, mas nos força a questionar as fundações de nossas escolhas, amores e lealdades. Através de uma prosa que mistura narrativa, ensaio filosófico e ironia, ele demonstra que a condição humana é um equilíbrio precário entre a asfixia do peso e o vazio da leveza. No final, talvez a única saída seja, como sugerem as últimas cenas de Tomás e Tereza, encontrar um peso que se escolhe amar, tornando-o, assim, suportável.
Para adquirir o livro, clique aqui
Não deixe de ler o artigo anterior:

Jocymar Sales, Professor, Escritor e Colunista do Factótum Cultural.
Os artigos publicados, por colunistas e articulistas, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Factótum Cultural.






Deixe um comentário