O homem desperto é aquele que aprendeu a rir de suas ilusões sem desprezá-las.” — Alejandro Jodorowsky

🜏 “O verdadeiro mestre não te ensina nada. Ele apenas te desperta para o que já está em ti.” — Alejandro Jodorowsky

Há pessoas que vivem, e há pessoas que encenam a própria alma diante do mundo.
Alejandro Jodorowsky é uma dessas raras criaturas — um artista que atravessou a infância ferida, a fome espiritual, a loucura e o deserto da existência, até descobrir que a vida é o palco onde o divino ensaia o humano.


🧒 O MENINO DO DESERTO

Alejandro nasceu em 1929, na cidade portuária de Tocopilla, no norte do Chile — um lugar árido, rodeado de sal e vento.
Filho de imigrantes judeus ucranianos, cresceu entre a brutalidade do pai, Jaime, um comunista autoritário e ateu, e a doçura mística da mãe, Sara, uma mulher frustrada que cantava para não enlouquecer.

Essa dualidade — razão e fé, carne e espírito, rigidez e ternura — se tornaria a base de toda sua obra.
O menino Jodorowsky era introspectivo, tímido, e sentia que não pertencia a lugar nenhum.
Aos poucos, descobriu nos livros e na imaginação uma porta secreta para suportar a realidade.

“Minha mãe me deu a música, meu pai me deu a dor.
A arte foi a ponte entre os dois.”


🎭 A FUGA E O DESPERTAR

Aos 24 anos, partiu do Chile rumo a Paris, sem dinheiro e sem saber francês.
Queria ser poeta, mas o destino o levou ao teatro — onde conheceu o lendário Marcel Marceau, com quem trabalhou por sete anos como mímico e roteirista.

Aprendeu que o corpo fala o que a boca teme, e que o gesto é mais verdadeiro que qualquer palavra.
Começou a entender o ser humano como uma peça inacabada de teatro divino.

Mas ainda faltava algo — o invisível, o mistério, o símbolo.
Então mergulhou em estudos de Cabala, Tarô, Alquimia, Psicanálise e Zen Budismo.
Misturou Oriente e Ocidente, arte e espiritualidade, poesia e loucura.


🌀 O MESTRE DO CAOS

Nos anos 60, fundou em Paris o Movimento Pânico, junto a Fernando Arrabal e Roland Topor — uma vertente teatral que misturava sagrado e profano, risos e blasfêmias, sangue e beleza.
O objetivo era simples e perigoso: chocar para acordar.

“Deus e o Diabo são dois palhaços brigando dentro do mesmo circo.”

Dessa fase nascem seus filmes mais lendários:

  • Fando y Lis (1968) — a busca impossível pelo paraíso.
  • El Topo (1970) — a descida mística ao inferno do ego.
  • The Holy Mountain (1973) — a sátira do espiritualismo e o despertar da ilusão.

Essas obras não eram cinema: eram rituais filmados.
Durante as filmagens, Jodorowsky submetia o elenco a jejuns, meditação, e exercícios psíquicos.
Nada de drogas — só consciência em estado de ebulição.

Foi o primeiro artista a transformar o cinema num ato alquímico de transformação interior.


🏜️ O HOMEM QUE FILMOU DEUS

Após o sucesso, tentou realizar o maior projeto de sua vida: “Dune”, baseado no livro de Frank Herbert.
Queria unir Salvador Dalí, Orson Welles, Pink Floyd e Mick Jagger em um filme que “mudaria a consciência do planeta”.
O projeto nunca saiu do papel — mas os storyboards influenciaram Star Wars, Blade Runner, Alien e boa parte da ficção científica moderna.

O fracasso, porém, o destruiu financeiramente e espiritualmente.
Ele caiu no silêncio.

“Eu quis filmar Deus. Mas Deus não cabia numa tela.”


🜂 A TRANSFORMAÇÃO: DA DOR À PSICOMAGIA

Nos anos 80, longe dos holofotes, ele cria a Psicomagia — uma técnica de cura simbólica que mistura arte, psicologia e ritual.
Para Jodorowsky, o inconsciente não entende palavras — entende imagens e gestos.

“Se uma mulher perdeu um filho e carrega culpa, não basta conversar.
É preciso plantar uma semente, enterrar uma boneca, criar um gesto que fale com o inconsciente.”

A Psicomagia tornou-se sua contribuição mais profunda à psicologia contemporânea — uma alquimia emocional, onde cada ato simbólico liberta um trauma real.


🎬 A CURA PELA ARTE

Depois de anos de silêncio, Jodorowsky voltou ao cinema — agora mais velho, mais terno, mais humano.

  • Santa Sangre (1989): a culpa e o perdão.
  • The Dance of Reality (2013): reconciliação com o pai.
  • Endless Poetry (2016): o poder criador do jovem artista.
  • Psychomagic, A Healing Art (2019): a arte como medicina da alma.

Esses filmes são sua fase luminosa — o retorno do mago que queimou o ego e aprendeu a rir.
O velho profeta virou terapeuta, o cineasta virou alquimista, e o deserto virou jardim.


☀️ O SÁBIO DO PRESENTE

Hoje, aos 96 anos, vive em Paris.
Faz leituras de Tarô, escreve poesia, grava vídeos sobre arte e consciência, e responde com humor às perguntas sobre Deus:

“Não acredito em um Deus que está fora.
Acredito no sagrado que habita cada átomo.”

Seus filhos — Adan, Cristóbal e Brontis — seguem sua trilha artística.
E sua obra segue viva, inspirando buscadores, psicólogos, cineastas e poetas do mundo todo.


🌙 O LEGADO

Jodorowsky nos lembra que a verdadeira espiritualidade não é fuga da vida, mas mergulho nela.
Que o sagrado mora no riso, no corpo, no erro e até no boleto.
E que o artista desperto não é aquele que pinta santos —
é aquele que ilumina a sombra com consciência e ternura.

“A arte é a oração de quem já entendeu que Deus está dentro do caos.”


🔥 POR QUE ELE É UM FAROL HUMANO

Porque viveu o inferno e não desistiu.
Porque transformou a culpa em criação.
Porque ensinou que cura e arte são a mesma coisa.
E porque envelheceu rindo — sem dogmas, sem rancor, com a alma leve de quem já atravessou o próprio deserto.

🔦 A luz de um farol aponta para outro. Veja também a história de:

✍️ Editores do Factótum Cultural

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