Por Adriano Nicolau da Silva

Cognitive Psychotherapy and Existential Simplification
RESUMO
A prática clínica em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) com adultos revela que a sociedade contemporânea, marcada pelo “paradoxo das escolhas, ” frequentemente conduz a uma sobrecarga mental, metaforicamente denominada “corrida dos ratos. ” Esta busca incessante por “mais” está intrinsecamente correlacionada a quadros de sofrimento emocional, como ansiedade e esgotamento, além de desregulações psicossomáticas. Este artigo explora o princípio da simplificação existencial – a redução consciente de estímulos, compromissos e posses – como uma resposta terapêutica fundamental. Argumenta-se que a articulação desse princípio com a reestruturação cognitiva (Beck, 2007), o aumento da autoeficácia (Bandura, 2008), o manejo do estresse (Lazarus, 1999) e a organização do pensamento (Piaget, 1967; Vygotsky, 1978) promove a estruturação dos processos cognitivos básicos, a desativação de esquemas irracionais e a construção de uma vida mais significativa e congruente com os valores internos.
Palavras-chave: Psicologia Cognitiva; Terapia Cognitivo-Comportamental; Sobrecarga Cognitiva; Simplificação Existencial; Autoeficácia; Propósito.
ABSTRACT
Clinical practice in Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) with adults reveals that contemporary society, marked by the “paradox of choice,” frequently leads to mental overload, metaphorically termed the “rat race.” This incessant pursuit of “more” is intrinsically correlated with emotional distress, such as anxiety and burnout, in addition to psychosomatic dysregulations. This article explores the principle of existential simplification – the conscious reduction of stimuli, commitments, and possessions – as a fundamental therapeutic response. It is argued that articulating this principle with cognitive restructuring (Beck, 2007), increased self-efficacy (Bandura, 2008), stress management (Lazarus, 1999), and thought organization (Piaget, 1967; Vygotsky, 1978) promotes the structuring of basic cognitive processes, the deactivation of irrational schemas, and the construction of a more meaningful life congruent with internal values.
Keywords: Cognitive Psychology; Cognitive-Behavioral Therapy; Cognitive Overload; Existential Simplification; Self-Efficacy; Purpose.
Introdução: A Complexidade e a Sobrecarga na Vida Contemporânea
Na prática clínica, a metáfora da “corrida dos ratos” ilustra um ciclo vicioso no qual o indivíduo se engaja incessantemente na busca por sucesso material e aquisição de bens, sem, contudo, alcançar a satisfação existencial duradoura. Tal dinâmica tem sido associada ao aumento da incidência de depressão, ansiedade e Síndrome de Burnout (Falcone, 2006), bem como a distúrbios psicossomáticos e metabólicos. O denominado “paradoxo da escolha” atua como um estressor significativo ao submeter o indivíduo a um número excessivo de opções que, em vez de fomentar a liberdade, intensificam sentimentos de ansiedade e insatisfação (Festinger, 1957). Neste panorama, a simplificação da vida – entendida como a redução deliberada e consciente de estímulos, compromissos e posses – emerge como uma estratégia terapêutica crucial para a promoção do bem-estar e do sentido de vida, um conceito amplamente suportado pela Terapia Cognitivo-Comportamental (Lázarus, 1999; Beck, 2007).
Filosoficamente, a visão de Baruch Spinoza sobre a relação entre razão e emoção corrobora o entendimento cognitivo. Spinoza defende que a razão, ao elucidar o conhecimento parcial que levamos sobre a realidade, pode libertar o indivíduo da escravidão das paixões – como o medo, o ódio e a inveja – que comprometem sua autonomia e bem-estar. Essa perspectiva enfatiza a importância do conhecimento racional para a gestão das emoções, alinhando-se à reestruturação cognitiva e ao compromisso da TCC com a contestação do pensamento irracional (Beck, 2007). A ética spinozista, ao promover o entendimento do mundo e de si mesmo, confirma que o domínio da razão sobre as paixões é indispensável para evitar comportamentos autolesivos e mecanismos disfuncionais de defesa que surgem na tentativa de aliviar o sofrimento, estabelecendo um diálogo contemporâneo entre a razão filosófica e a Psicologia Clínica Cognitiva (Bandura, 2008; Piaget, 1967; Vygotsky, 1978).
1. Fundamentos Cognitivos da Sobrecarga e o Potencial da Simplificação
A Psicologia Cognitiva oferece o arcabouço para compreender como a sobrecarga de estímulos impacta negativamente os Processos Cognitivos Básicos, que sustentam nossa interação com o mundo. A atenção seletiva, por exemplo, é cronicamente sobrecarregada pela multitarefa ineficaz, resultando na fragmentação do foco e na competição por recursos cognitivos limitados. O excesso de escolhas e a pressão social distorcem a percepção da realidade, e, sob estresse, a avaliação cognitiva torna-se enviesada, interpretando eventos neutros como ameaças potenciais (Lazarus, 1999).
Adicionalmente, o acúmulo de compromissos e bens sobrecarrega a memória de trabalho, dificultando processos de raciocínio e planejamento. A simplificação do ambiente, por conseguinte, atua aliviando essa carga desnecessária, liberando recursos cognitivos para tarefas mais adaptativas e essenciais. Por fim, o desalinhamento entre o comportamento de consumo e os valores internos intensifica a dissonância cognitiva (Festinger, 1957), um desconforto gerado pela contradição entre o que se valoriza e o que se pratica.
A simplificação permite o desenvolvimento de uma vida com maior significado ao possibilitar a ressignificação de cognições irracionais e a reflexão sobre as próprias emoções, facilitando um processamento mais consciente na tomada de decisão e contribuindo para o aumento do bem-estar (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). Este processo envolve a compreensão de que as emoções são informações valiosas que, quando reconhecidas e interpretadas de forma específica, podem orientar escolhas mais alinhadas com os valores e as necessidades reais do indivíduo. Cultivar uma autocompaixão interna e promover relações interpessoais baseadas na identificação e no respeito às diferenças individuais são componentes essenciais para esse desenvolvimento interpessoal e para a convivência harmoniosa.
A reflexão crítica e autêntica sobre a própria existência permite evitar as armadilhas das tendências passageiras e das imposições ideológicas que buscam direcionar o pensamento coletivo. Evitar tais “armadilhas” exige autoconsciência, pensamento crítico e um constante processo de questionamento, impedindo a massificação das mentes e a canalização da atenção em sentidos limitados. Assim, a construção de uma vida plena demanda tanto autoconsciência quanto a coragem de pensar e reorientar a própria trajetória, recusando-se a ser mero produto de influências externas desalinhadas com a singularidade (Santos & Costa, 2014).
2. A Reestruturação Cognitiva Mediada pela Simplificação
A intervenção clínica proposta por este autor fundamenta-se nos princípios de Beck (2007), que postula que o sofrimento emocional se origina em esquemas e hábitos mentais disfuncionais. Nesse contexto, a simplificação, para além de um ato de descarte, constitui uma estratégia de reestruturação cognitiva que opera em dois níveis:
- Redução de Estímulos e Correção da Percepção: Ao diminuir a carga ambiental, a simplificação reduz o ruído cognitivo, corrigindo percepções distorcidas e liberando a memória de trabalho para priorizar o que é essencial.
- Fortalecimento da Autoeficácia: A decisão consciente pela simplificação demonstra e fortalece a autoeficácia (Bandura, 2008), aumentando a percepção de controle sobre a própria vida e capacitando o paciente a agir com propósito.
A organização do pensamento, conforme proposto por Piaget (1967) e Vygotsky (1978), é facilitada à medida que os esquemas mentais se refinam para eliminar redundâncias e promover clareza existencial. O processo de simplificar se torna, assim, um catalisador para a reestruturação cognitiva.
3. Metodologia e Discussão Científica
Este artigo adota uma abordagem teórico-conceitual, baseada em uma revisão bibliográfica de autores clássicos da Psicologia Cognitiva e em observações clínicas qualitativas na aplicação da TCC a adultos. O objetivo é integrar os princípios da TCC à filosofia da simplificação existencial, buscando evidenciar sua relevância na reestruturação cognitiva e na redução da sobrecarga emocional causada pelo paradoxo da escolha. A cientificidade da Psicologia Cognitiva assegura que a intervenção seja estruturada e replicável, reforçada por técnicas validadas, como o questionamento socrático.
As observações teóricas e clínicas indicam que orientações focadas na simplificação, mediadas pela Terapia Cognitivo-Comportamental, atuam na redução da carga cognitiva, fortalecem a autoeficácia e promovem o senso de propósito, favorecendo uma vida mais intencional (Falcone, 2006). A abordagem cognitiva promove a consciência crítica sobre os padrões de pensamento e escolhas, evoluindo o ato de simplificar em um passo adaptativo, longe de ser um sacrifício (Beck, 2007; Bandura, 2008).
Considerações Finais
A Psicologia Cognitiva oferece um caminho interessante para o desenvolvimento de uma vida com maior significado frente aos desafios impostos pela cultura de consumo e os interesses de grandes indústrias. Esse processo de simplificação contribui para o bem-estar psicológico ao permitir que o indivíduo ressignifique suas crenças e administre melhor suas emoções, possibilitando escolhas mais conscientes e alinhadas com seus valores reais (Lazarus, 1999; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).
Este ponto de vista reforça a necessidade de prática terapêutica baseada em evidências, bem como a realização de mais pesquisas empíricas para validar e ampliar os benefícios dessas abordagens. Ao considerar os fundamentos da Psicologia Cognitiva (Santos & Costa, 2014), aprofunda-se a compreensão de seu enfoque metodológico e se consolida sua relevância científica e seu papel indispensável na transformação psicológica e social contemporânea.
Dessa forma, a TCC, ao integrar a simplificação existencial, reafirma seu potencial para guiar indivíduos rumo a um estilo de vida mais consciente, equilibrado e significativo, enfrentando não apenas os desafios internos, mas também os impostos externamente pelas dinâmicas de mercado.
Referências
BANDURA, A. Autoeficácia: o exercício do controle. Revisão da Literatura Psicológica, 2008.
BECK, A. T. Terapia cognitivo-comportamental: fundamentos e aplicações. Manual de intervenções psicológicas. Rio de Janeiro: Artmed, 2007.
FALCONE, M. A terapia cognitiva comportamental e a relevância no processo terapêutico. Revista de Psicologia, 2006.
FESTINGER, L. A teoria da dissonância cognitiva. São Paulo: Cultrix, 1957.
LAZARUS, R. S. Estresse e emoção: uma nova visão. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
PIAGET, J. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1967.
SANTOS, E.; COSTA, P. Estímulo, significado e consciência na TCC. Cadernos de Psicologia Cognitiva, 2014.
SELIGMAN, M. E. P.; CSIKSZENTMIHALYI, M. Positive Psychology: an introduction. American Psychologist, v. 55, n. 1, p. 5-14, 2000.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1978.

Adriano Nicolau da Silva, Psicoterapeuta, Neuropsicopedagogo e Neuroeducador. Graduado em Psicologia e Filosofia. Especialista nas áreas de educação e clínica. Uberaba, MG. Colunista do Factótum Cultural. E-mail: adrins@terra.com.br
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