Escrever Para Não Enlouquecer – Por Neemias

“— Você é descendente de quê?
— De louco.”
Aos loucos.
Aos que não se encaixam, que sentem demais, que olham o mundo e se perguntam o que estão fazendo aqui.
Aos que nasceram com o coração desalinhado ao ritmo da Terra, com a alma antiga demais para caber num corpo, e uma saudade que não tem endereço.
Aos que andam por aí com o olhar distante, como quem tenta lembrar o caminho de volta pra casa.
Aos que nunca se sentiram completamente pertencentes a nada — nem à família, nem à cidade, nem à própria pele.
Aos que tentam viver o “normal”, mas percebem que o normal é uma farsa.
Há em nós — sim, em nós — um tipo de dor que não se explica.
Uma sensação de que viemos de outro tempo, outra dimensão, outro céu.
Uma lembrança perdida do que é ser inteiro.
E, desde o nascimento, passamos a vida procurando o que nunca perdemos: a nós mesmos.
Chamam de loucura.
E talvez seja mesmo — uma loucura sagrada.
Porque quem sente o invisível, quem chora sem motivo, quem ama o que nem existe mais, quem carrega dentro de si um universo de vozes, memórias e pressentimentos… não é doente.
É desperto demais pra este mundo adormecido.
Os loucos sentem o sofrimento coletivo como se fosse seu.
O choro de um desconhecido atravessa o peito como se fosse parente.
A injustiça dói como queimadura.
O amor, quando acontece, não é namoro: é fusão.
E a perda, quando chega, não leva só alguém — leva um pedaço de alma junto.
Os loucos tentam se encaixar, estudam, trabalham, se maquiam, se disfarçam.
Mas a alma não aceita fantasia.
Então, às vezes, bebem.
Às vezes, se calam.
Às vezes, riem alto demais.
E quase sempre se sentem sozinhos — mesmo cercados de gente.
Ser louco é carregar luz demais num corpo frágil.
É lembrar do que os outros esqueceram: que estamos só de passagem, que tudo é espelho, que o amor é a única coisa real.
Ser louco é sentir o sagrado em coisas pequenas — na gota d’água, no vento, no rosto cansado de um estranho.
É ter fé mesmo sem religião, esperança mesmo sem garantias, e coragem mesmo depois de cair mil vezes.
Aos loucos que choram escondidos e riem pra disfarçar.
Aos que se curam e adoecem mil vezes, e ainda assim continuam tentando.
Aos que buscam respostas em livros, em remédios, em silêncios, em olhares, e sempre encontram mais perguntas.
Aos que escrevem, pintam, rezam, cantam, ou apenas respiram — porque é o que dá pra fazer.
Vocês não estão sozinhos.
Vocês são da mesma família invisível — os que vieram pra lembrar o mundo de que há mais, sempre mais, além do que se vê.
Vocês vieram pra iluminar, não com holofote, mas com presença.
Vieram pra transformar dor em arte, ferida em compaixão, queda em sabedoria.
E quando o mundo disser que vocês são frágeis, lembrem:
Só os sensíveis carregam universos dentro do peito.
Só os que choram sozinhos são capazes de enxugar a lágrima de outro.
Só os que se perdem de si podem, um dia, encontrar o caminho de volta pra casa — e acender a luz para os que ainda andam na escuridão.
Aos loucos do mundo — que amam sem medida, sentem sem limites e buscam sem descanso —
obrigado.
Sem vocês, o mundo seria um deserto de máquinas, sem poesia, sem alma, sem sentido.
Continuem.
Mesmo cansados, continuem.
Vocês não são daqui — mas são exatamente o que este mundo mais precisa.
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E não se esqueça: Sábado, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio. Segunda a gente volta com humor para os dias difíceis.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor e editor-chefe do Factótum Cultural.






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