Ritual de Ayahuasca

Segundo a tradição amazônica, há bebidas que não se tomam com a boca — mas com a alma.

Naquela noite, a selva parecia viva. Cada folha respirava como se tivesse um coração, e o vento sussurrava em língua antiga. Txayn, o andarilho de mundos, chegara cansado. Trazia nos olhos o peso de mil derrotas: as doenças físicas e mentais, o desemprego, um casamento que se desfez, os problemas financeiros, a sombra da bebida e do zolpidem, a solidão das madrugadas e um corpo cansado de tanto carregar culpas e tentar sobreviver.

Ele sentou-se diante do fogo e esperou. A medicina o aguardava também.
Diziam que era feita da união entre um cipó que sobe ao céu e uma folha que desce à terra, e que quem as bebesse jamais seria o mesmo.
Mas ninguém avisou que, antes de ver o divino, era preciso ver a si mesmo.

O xamã lhe entregou o copo marrom, espesso, amargo como as lembranças que ainda doíam.
Txayn bebeu.

E então o mundo se abriu.

O corpo caiu pesado, mas a alma subiu leve.
O tempo se dissolveu.
As árvores se curvaram.
E do centro da escuridão uma Nuvem suave desceu — feita de luz líquida e silêncio.

“Eu te conheço”, disse ela.
“De onde?”, perguntou Txayn.
“De antes de você ser quem é.”

Ela mostrou-lhe a serpente que vivia enrolada em seu peito — a mesma que ele alimentava com medo e arrependimento. “Não a mate”, sussurrou, “dance com ela.”
E ele dançou, chorando e rindo, até perceber que a serpente não o envenenava: o curava.

Então veio outra visão: um pajé de olhos profundos, sentado à beira do tempo.
“O amor que você perdeu não morreu”, disse o pajé. “Ele se transformou em folha e cipó, e esperava o seu chamado.”
Quando Txayn perguntou quem ele era, o velho sorriu:
“Sou você em outra volta do círculo.”

E assim entendeu: a Ayahuasca era o reencontro dos que se perderam em si.
Era o espelho onde ele viu o pai, o filho e todos os erros se dissolvendo no mesmo rio.
Era a mulher que amou, o menino que foi, o homem que fugiu — e a alma que esperava o retorno.

Mais tarde, quando o céu se acalmou, seres luminosos apareceram nas copas das árvores. Não eram de carne, nem de sonho. Brilhavam como lembranças de um lugar sem dor. Um deles falou:

“Não viemos de fora, Txayn. Viemos de dentro. Somos o que você é quando lembra.”

Ele quis perguntar o sentido da vida, mas não precisou.
Tudo estava respondido em silêncio.

Ao amanhecer, o fogo havia virado cinza e o rio refletia o primeiro sol.
Txayn abriu os olhos e percebeu que não havia voltado — porque nunca tinha ido.
A floresta estava nele, a estrela também.
A medicina não o havia mudado.
Apenas o havia lembrado.

E desde esse dia, quando alguém o pergunta o que é a Ayahuasca, ele apenas sorri:

“É o chá que lembra o céu…
mas que primeiro te mostra o inferno que você mesmo criou.”

E a fogueira estala,
e a floresta escuta,
porque até o vento sabe —
o mistério não se explica,
se bebe.

🧙‍♂️ Txayn

🌿 Originário, viajante entre mundos. Guardião de histórias e símbolos.
🌓 Caminho entre luz e sombra, onde tudo se mistura.
🌀 Sigo rastros invisíveis e deixo perguntas — nunca respostas.
🦎 Cada história é uma lanterna acesa no escuro.

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