Introdução

Quando falamos de Brasil-colônia, pensamos logo em jesuítas, índios catequizados, senhores de engenho e escravos africanos. Mas Geraldo Pieroni, em Vadios e ciganos, heréticos e bruxas: Os degredados no Brasil-colônia, nos lembra que há outra face da história: o Brasil foi também terra de exílio, castigo e purgação.

Entre os séculos XVI e XVIII, Portugal despejou em nossas costas uma multidão de condenados: prostitutas, vadios, ladrões, ciganos, bruxas e hereges. Gente considerada indesejável na metrópole, mas útil no “novo mundo”, tanto como mão de obra quanto como escória descartada longe dos olhos.

Pieroni revela, com pesquisa minuciosa, que a história do Brasil não é feita só de heróis ou de exploradores bravos — mas também de marginais, perseguidos e malditos.


O degredo como política imperial

Portugal transformou o Brasil em prisão a céu aberto. O degredo era um recurso judicial e social: esvaziava as ruas de Lisboa dos pobres e desviantes, e ao mesmo tempo fornecia braços para a colonização.

Entre os degredados estavam:

  • Ciganos, vistos como nômades perigosos e insubmissos.
  • Hereges e judeus “cristãos-novos”, perseguidos pela Inquisição.
  • Bruxas e feiticeiros, acusados de práticas demoníacas ou apenas de desafiar a ordem religiosa.
  • Vadios e prostitutas, punidos por “ociosidade” ou imoralidade.

O Brasil nascia como uma espécie de depósito humano — um caldeirão de culturas, crenças, misérias e resistências.


Bruxas, heréticos e o imaginário colonial

Pieroni mostra que o degredo não era só físico, mas também simbólico: junto com os corpos, vieram crenças, saberes e práticas condenadas na Europa. O Brasil tornou-se laboratório de hibridismos culturais: rezas, feitiços, saberes de ervas, rituais mágicos e heresias se mesclaram com tradições indígenas e africanas.

Esse “subterrâneo espiritual” ajudou a formar o que somos — embora sempre vigiado e reprimido pela coroa e pela Igreja.


A herança dos marginalizados

O livro também convida a pensar na longa duração: muito do estigma que recai sobre povos nômades, sobre práticas religiosas afro-brasileiras, sobre pobres considerados “vadios” vem dessa mentalidade colonial. O Brasil foi fundado não apenas pela catequese e pelo chicote, mas também pela exclusão e pela marca da infâmia.

O curioso é que, muitas vezes, foram esses mesmos marginais que mantiveram viva a cultura popular, a religiosidade subterrânea e as formas de resistência que nos tornaram o que somos.


Nossa leitura filosófica

Na Coluna Livros & Grimórios, esse livro é um grimório histórico: um compêndio de feitiços sociais, de práticas ocultas e de narrativas esquecidas. Ler Pieroni é abrir o livro negro da fundação do Brasil.

Ele nos lembra que a nossa identidade não vem só dos grandes palácios ou das batalhas oficiais, mas também dos becos, das fogueiras e das prisões. Somos herdeiros de reis e padres, mas também de ciganos, bruxas e heréticos.


Conclusão

Vadios e ciganos, heréticos e bruxas é leitura obrigatória para quem quer compreender o Brasil além da superfície. Pieroni entrega um retrato sombrio e fascinante: a colônia como destino de exilados, como palco de perseguições e como berço de resistências culturais.

No fim, a pergunta que o livro lança é perturbadora: se fomos formados por degredados e marginalizados, até que ponto nossa sociedade ainda repete, hoje, o hábito de expulsar, estigmatizar e silenciar os que não se encaixam?


Saiba mais ou adquira o livro:

📚 Cada livro é um feitiço. Se abriu este, talvez queira decifrar também:

✍️ Editores do Factótum Cultural

Deixe um comentário

Tendência