Faxina

Há uns dias, começamos uma reforma no quarto. Antes dela, a fase de fazer aquela retirada de tanta coisa que era pra ser provisória e se tornou permanente. A cômoda que não era ali e passou a ser porque era preciso por algum motivo rápido e lá ficou. Os casacos que eram para guardar até o próximo frio, mas o frio insiste em voltar, assim os casacos passaram a ficar em um lugar que não era ideal, mas era necessário. O lavar e guardar foi substituído pelo lavar e usar, porque o frio insiste em me perseguir sempre. 

Ao desocupar o quarto, ficou o eco, os estragos nas paredes que não víamos e deu um aperto ao entender que os algarismos e letras, na parede, com as idades e altura da nossa criança também iam sair para que uma nova cor chegasse. As anotações da parede foram para outro lugar, não poderia apagar sem fazer outro registro para aquelas marcas tão lindas. 

Ao levar as roupas para um novo espaço provisório vinham, na memória, feitos que elas lembravam: quem me presenteou, onde comprei, ocasião que me marcou positiva ou negativamente e fases pelas quais passamos. 

Entre uma roupa e outra, uma bolsa, mala ou lenço, aparecem sinais de que a rinite está para interromper todo o processo. 

Aquela faxina que parece de móveis e coisas, também atravessa meu ser. Vou lembrando, pensando, entendendo o tempo ou desfazendo entendimentos equivocados, retomando expectativas frustradas, sentindo saudade de momentos e pessoas, rindo de papéis guardados, aliviada pelas coisas que já não servem mais, às quais estou livre para nem lembrar. E a faxina física vai se misturando com a emocional, é um processo estranho, as memórias vão e voltam. Há coisas bonitas aparentemente e que me caem bem, mas não quero mais, e me sinto bem por deixá-las, já não sou a mesma de antes. E no fundo penso: eu nem gosto disso, por que usei? Talvez porque muitas vezes usamos algo que é esperado pelos outros e não ousamos perguntar: gosto disso?

E a faxina virou uma metáfora, um paradoxo e eu cansei física e emocionalmente por dias, fiquei presa a ela sem entender exatamente o que sentia.

Eis que o quarto foi tomando outra cor, outra textura no chão, outro cheiro, os armários estão mais suaves, mais leves e limpos. Ainda tenho muita coisa que arrumar, mas o mais difícil passou.

Faxinas são boas quando prontas, mas demandam muito tempo e dedicação durante o processo. As faxinas interiores também demandam tempo, são experiências dolorosas muitas vezes; mas após concluídas deixam a gente mais leve. E então me vem uma dúvida: faxinas da alma são concluídas? Não acredito, porque mal acabamos de fazê-las, logo já há uma poeirinha pronta para desencadear uma crise alérgica dentro de nós. Enfim, não se pode desistir de fazer a manutenção e limpeza a cada dia, no nosso tempo (que é escasso com tantas demandas), e selecionar o que ainda é válido guardar e usar. 

Fazer algumas faxinas são feitos que marcam novas fases, que bom!

Gisele de Souza Gonçalves, mãe,  professora da educação básica, doutora pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

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