Por Txayn

“As garrafas são úteis, mas não são o oceano.
Caminhe além delas e descubra quem você é.”
— Txayn
Certa manhã, Txayn caminhava por uma estrada que parecia nunca acabar. A névoa era densa, o vento frio e o silêncio tão profundo que parecia sussurrar perguntas que ele ainda não sabia responder.
No meio do caminho, ele encontrou duas garrafas enormes, uma ao lado da outra.
Na primeira, lia-se em letras antigas: Religião.
Na segunda, em caligrafia livre e dançante: Espiritualidade.
Txayn se aproximou da primeira garrafa. Ao encostar a mão, foi puxado para dentro. Lá dentro havia mapas, livros, cânticos, regras, velas acesas. Havia também pessoas — algumas gentis, outras ríspidas. Uns ofereciam pão, outros apontavam o dedo. Txayn aprendeu preces, decorou nomes, seguiu os passos de rituais. Mas, com o tempo, começou a sentir o teto baixo e o ar rarefeito.
— “Isso é bom para quem começa,” pensou.
E, com esforço, empurrou a rolha e saiu.
Do lado de fora, respirou fundo. Caminhou até a segunda garrafa. Ao tocá-la, foi novamente sugado para dentro.
Ali havia flautas, incensos, tambores, maracá, telas e grimórios de todas as cores. Cada um dançava do seu jeito, cantava no seu ritmo, buscava o divino dentro de si. Não havia dogmas, apenas experiências.
Txayn experimentou as chaves da consciência — algumas vindas da floresta, outras do laboratório, outras do próprio silêncio – e por um instante viu as paredes desaparecerem. Cada uma abriu uma porta diferente, mostrando mundos vastos e belos. Mas logo entendeu: até as portas não são destinos.
Txayn dançou, cantou, meditou. Sentiu-se livre, sentiu-se parte do Todo. Mas, depois de um tempo, percebeu algo sutil: ainda havia paredes.
Eram paredes bonitas, cheias de símbolos, mas ainda eram paredes.
Então ele viu (e sentiu), lá no alto, um olho enorme, como se estivesse fora de tudo.
O olho não dizia nada. Não julgava. Apenas olhava. O observador, a testemunha, o olho que tudo vê, a consciência, o inominável.
Txayn percebeu que podia sair dali também.
Empurrou a tampa e se viu no campo aberto.
Atrás dele estavam as duas garrafas.
À frente, um horizonte infinito.
Acima, o olho continuava observando — agora ele sentia que o olho estava dentro dele também.
Txayn sorriu. Acendeu sua lanterna e seguiu viagem.
Sabia que talvez um dia voltasse às garrafas, mas agora as via de outra forma: não como prisões, mas como ferramentas.
Podia usá-las, sem ser usado por elas.
🗝️ Moral da História
Religião e espiritualidade são úteis, mas ainda são recipientes.
Use as garrafas, mas não viva preso dentro dela.
Observe. Caminhe. Torne-se maior que os recipientes – O Observador 👁️

🧙♂️ Txayn
🌿 Originário, viajante entre mundos. Guardião de histórias e símbolos.
🌓 Caminho entre luz e sombra, onde tudo se mistura.
🌀 Sigo rastros invisíveis e deixo perguntas — nunca respostas.
🦎 Cada história é uma lanterna acesa no escuro.
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