Escrever Para Não Enlouquecer / Por Neemias

“As palavras são, na minha nada humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia.” — Alvo Dumbledore (J.K. Rowling)
O feitiço das palavras
Você já se perguntou por que algumas palavras nos arrepiam, mudam nossa vida ou nos arrancam lágrimas?
Por que um parágrafo pode nos curar mais do que anos de silêncio?
Por que escrever é tão perigoso em regimes totalitários?
A resposta é simples: escrever é magia.
E todo escritor é, consciente ou não, um mago em ação.
Mas esquecemos disso. Reduzimos a escrita a técnica, marketing, produtividade.
Mas antes de tudo isso — escrever é ritual, feitiço, criação de realidade.
I. O escritor como mago
Todo mago se conecta com forças invisíveis. E o escritor também.
Não importa se está em um escritório, em uma cela, em uma cabana ou em um bar. Quando escreve de verdade, ele canaliza algo que está além dele.
Muitos escritores sentem que não são eles que escrevem, mas que algo os escreve. Isso lembra a figura do xamã, do médium ou do mago inspirado por forças maiores.
Ao escrever, o autor se torna um canal. De uma inteligência maior, de um inconsciente profundo, de um espírito ancestral, de um arquétipo coletivo.
Jung chamaria isso de Inconsciente Coletivo.
Outros chamariam de Deus, Musa, Espírito, Entidade.
Não importa o nome. O que importa é o gesto:
colocar no papel algo que não existia antes — e que pode transformar quem lê.
Como já dizia Alan Moore, escrita e magia são a mesma coisa. Ambas têm o poder de modificar a consciência humana, de alterar realidades — internas e externas.
O escritor é um tipo de xamã urbano, um alquimista do verbo. Quando escrevemos com verdade, não estamos apenas juntando palavras — estamos mexendo nas estruturas invisíveis do mundo.
Talvez por isso livros mudem destinos, revelem verdades e plantem ideias que sobrevivem ao tempo. Talvez por isso escrever seja tão perigoso — e tão necessário.
Isso é magia.
II. A origem mágica da escrita
Na Idade Média, a palavra gramática era próxima de gramarye, que significava tanto o conhecimento das letras quanto conhecimento oculto ou mágico.
O mesmo vale para a palavra “spell” em inglês, que significa tanto soletrar quanto encantamento.
Ou seja: desde os tempos antigos, escrever era lançar feitiços. Quem dominava as palavras, dominava mundos invisíveis.
Os escribas eram sacerdotes.
Os livros, grimórios.
As letras, símbolos sagrados.
A escrita nasceu como ponte entre mundos — entre o visível e o invisível, entre os vivos e os mortos, entre o céu e a terra.
E continua sendo isso.
A diferença é que hoje chamamos isso de literatura, ensaio, artigo, diário ou tweet.
Mas a essência continua: trazer o invisível ao visível com palavras.
2. Escrever é criar realidade
Quando o escritor escreve, ele cria um mundo a partir do nada.
Usa símbolos (letras, palavras, frases) para materializar ideias, emoções, visões.
Isso não é muito diferente do que um mago faz ao invocar uma realidade com gestos e fórmulas sagradas.
Escrever é transformar o invisível (pensamento, imaginação, sonho) no visível (texto, livro, arte).
E isso muda o leitor, altera consciências, transforma culturas.
III. Escrever como ritual
Você já percebeu como escrever exige silêncio?
Como, às vezes, você apaga a luz, acende um incenso, se isola — como num templo?
Você se senta diante do papel como quem entra num altar.
Evoca memórias. Toca feridas. Acorda sombras. Invoca luz.
Escrever é um ritual.
Você desce até o submundo para trazer uma chama.
Ou sobe até os céus para trazer uma revelação.
Por isso, quem escreve com verdade sai transformado.
E transforma.
IV. O livro como grimório
Um livro é um grimório: um livro de magia que contém fórmulas capazes de alterar consciências. Um bom romance, uma filosofia profunda, uma poesia certeira — são feitiços que transformam o mundo interior do leitor.
Cada livro é um feitiço em forma de objeto.
Você o abre e ele te arrasta. Te captura.
Te transforma em outra coisa.
Alguns livros te despertam.
Outros te salvam.
Outros te afundam (também faz parte da jornada).
E alguns, raros, te devolvem a você mesmo.
Um livro verdadeiro não informa, ele transforma. Muitos já saíram de uma leitura diferentes de quem eram antes de abrir o livro. Isso é magia real.
E quem escreve com alma, mesmo sem saber, está criando portais. Fórmulas. Chaves.
Gosto de pensar, como diria Carl Sagan, que um livro é a prova de que os humanos são capazes de fazer magia.
V. A missão do mago-escritor
O verdadeiro escritor não escreve apenas para publicar.
Ele escreve para compreender, para curar, para libertar. Para não enlouquecer.
Mas, acima de tudo, ele escreve porque precisa.
Porque tem algo queimando dentro dele.
Porque sua dor precisa virar linguagem.
Porque sua alma exige forma.
O escritor-mago escreve para transformar sua própria sombra em luz.
E no processo, talvez — só talvez — ajude outros a fazerem o mesmo.
Relembrar quem você é
Você, que escreve, talvez tenha esquecido.
Talvez esteja cansado, desmotivado, se perguntando se vale a pena.
Mas escute: você é um mago.
A escrita, por excelência, um ato mágico.
As palavras são suas ferramentas.
A alma humana, seu campo de trabalho.
A transformação, sua missão.
Toda vez que você escreve com verdade,
você acende uma vela na escuridão de alguém.
E essa é, talvez, a magia mais poderosa que existe.
Continue.
✍️ Epílogo – Eu, Escritor
Eu não sabia, mas sempre fui um mago.
Minha história com a escrita começou muito antes de eu saber o que era ser escritor.
Quando criança, escrevia mundos com lápis mordido e papel sujo.
Criei um personagem — o Super Cola Coca, um super-herói da Coca-Cola (inverti o nome porque sempre fui da turma do contrário).
Escrevi e imprimi um livrinho numa daquelas impressoras com papel perfurado, nos computadores jurássicos dos anos 90.
Isso fica para outro texto.
Mais tarde, aprendi a usar palavras como feitiços — algumas para ferir, outras para curar.
Mas só depois da queda, da dor, da escuridão… é que entendi o que era isso tudo.
Escrever me salvou.
Me puxou do abismo.
Me reconectou com algo que eu havia esquecido — minha própria alma.
Hoje, escrevo como quem sangra.
Como quem reza.
Como quem acende uma vela num mundo que insiste em apagar tudo.
Não escrevo por vaidade.
Escrevo por necessidade.
Porque há algo que pulsa em mim e quer nascer em forma de palavra.
Se sou mago, sou um mago falho.
Às vezes erro o feitiço. Às vezes me perco no próprio labirinto.
Mas sigo.
Porque descobri que escrever é lembrar os outros de que ainda há caminho.
E enquanto houver alguém no escuro,
eu continuo escrevendo.
Em outros momentos, já escrevi sobre O Teatro da Ostentação: A Hipocrisia das Redes e da Vida e sobre O Universo Pisca, Você Some (E Ainda Se Acha Importante?). Mas talvez, justamente por isso, a escrita seja tão poderosa: porque é o nosso gesto de resistência contra o vazio. Um grito sutil contra o ruído. Um lampejo de lucidez em meio ao espetáculo. Escrever é, no fim das contas, nos lembrar de que ainda somos humanos em meio ao algoritmo — e centelhas em meio ao nada.
🌟 Chamada final
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E não se esqueça: Todo sábado, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio. Segunda a gente volta com humor para os dias difíceis.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor e editor-chefe do Factótum Cultural.





