Por Livros & Grimórios e Tela Mística

“Você é feliz com a sua vida?” — essa pergunta aparentemente simples dá início a uma das jornadas mais instigantes da ficção científica contemporânea.
Matéria Escura (no original Dark Matter) é um livro escrito por Blake Crouch, lançado em 2016 e recentemente adaptado em formato de série para streaming. Misturando suspense, física quântica e dilemas existenciais, a obra nos arrasta para um universo onde cada escolha cria um novo mundo — literalmente.
O enredo: quando o “e se?” se torna realidade
Jason Dessen é um professor de física, pai de família e marido amoroso. Sua vida é comum, até que, numa noite, é sequestrado por um homem mascarado. Quando desperta, Jason está em um laboratório. Mas não é o mesmo mundo. Ele nunca se casou. Nunca teve um filho. E é um renomado cientista que criou uma tecnologia capaz de… acessar realidades alternativas.
Sim, ele está diante de um multiverso. E mais: ele é a prova viva de que cada decisão que tomamos cria uma nova ramificação da realidade. A cada “sim” e “não”, um novo “eu” é gerado em algum universo paralelo. Mas se isso é fascinante na teoria, na prática é um verdadeiro labirinto existencial.
Ficção científica ou filosofia em alta velocidade?
Apesar de ancorado na física quântica (mais como metáfora do que ciência dura), Matéria Escura é, acima de tudo, uma história sobre identidade e escolhas. Quem somos nós, afinal? Somos o acúmulo das decisões que tomamos? E se pudéssemos voltar atrás e escolher diferente? Seríamos mais felizes?
Essas questões atravessam o livro com ritmo acelerado e momentos de tensão quase cinematográfica. A leitura é fluida, mas densa em reflexões. A adaptação para as telas, por sua vez, amplia a discussão com imagens sombrias, trilha envolvente e atuações que reforçam o desespero e a beleza de ser… apenas um.
A beleza de ser um só em meio a infinitos eus
Em um mundo onde cada versão sua tomou decisões diferentes — algumas boas, outras desastrosas —, o protagonista se vê diante de um dilema quase poético: o que faz da vida uma vida real? É a glória profissional? A rotina com quem se ama? A fama? O conforto? Ou algo que nenhuma versão alternativa pode fornecer?
Em determinado momento, Jason precisa lutar contra suas outras versões de si mesmo — cada uma querendo recuperar a vida que ele tem. É o ápice simbólico da trama: quando todos os “eus” possíveis disputam pela única vida que realmente importa.
Uma metáfora moderna para a crise de identidade contemporânea
Se antes tínhamos uma vida só, hoje temos versões de nós mesmos em diferentes redes sociais. Somos o que postamos, o que escondemos, o que poderíamos ter sido. Em tempos de excesso de possibilidades, Matéria Escura toca em um ponto delicado: a angústia de quem vive assombrado pelo “e se?”.
No fundo, o livro e a série não são apenas sobre ciência, mas sobre pertencimento. Sobre voltar para casa — mesmo que a casa esteja dentro de você.
Vale a pena?
Se você curte ficção científica com pegada filosófica, sim, e muito. Mas não espere uma tese acadêmica sobre o multiverso. Espere, isso sim, um thriller emocional que mistura o melhor da ação com perguntas que talvez você mesmo já tenha feito olhando para o teto de madrugada.
“E se eu tivesse feito diferente?”
“E se eu pudesse voltar atrás?”
“E se…?”
Talvez a melhor resposta, no fim das contas, seja: você já está onde deveria estar. E essa é a sua matéria mais escura. E mais luminosa.
Em certo sentido, Matéria Escura dialoga com filmes como Beleza Americana (1999), onde o protagonista também acorda — não em um laboratório futurista, mas dentro da própria vida entorpecida — e percebe que passou anos anestesiado por uma rotina confortável, porém sem alma. Tanto Jason quanto Lester Burnham encaram o mesmo dilema moderno: ser o que esperavam deles ou ser quem verdadeiramente são. Ambos vivem o choque de descobrir que o “eu ideal” talvez esteja escondido atrás das decisões aparentemente banais — como aceitar um emprego estável ou se contentar com uma vida previsível. A diferença é que, em Matéria Escura, cada escolha ganha um universo inteiro. Em Beleza Americana, ela ganha… significado.
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📚 Cada livro é um feitiço. Se abriu este, talvez queira decifrar também A Entrega Incondicional, de Michael Singer.
🎬 O filme não acabou — há sempre uma cena pós-créditos. Descubra-a em Beleza Americana
Factótum Cultural






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