Escrever Para Não Enlouquecer – Por Neemias

O homem moderno carrega o mundo nas costas — mas não carrega a própria saúde mental.
Bem-vindo ao mês em que homens fingem que está tudo bem
Junho é o Mês da Saúde Mental do Homem. E aqui vai um spoiler: ninguém liga. Nem os próprios homens.
A maioria acha que “cuidar da saúde” é fazer o exame de próstata (a famosa “dedada”) com cara de quem está sendo traído pelo médico. Já saúde mental… bem, essa nem entra na lista. Porque homem “não tem tempo pra essas coisas”. Ou tem tempo, mas não tem coragem.
E por que isso importa? Porque os números estão berrando enquanto os homens continuam calados.
Os dados que ninguém quer ouvir (porque é mais fácil falar de futebol)
- 75% dos suicídios no Brasil são cometidos por homens.
- Homens vivem, em média, 7 anos a menos que as mulheres.
- A cada 5 homens com depressão, apenas 1 busca ajuda.
- Homens têm mais chances de morrer de overdose, acidente, homicídio e infarto.
- E pasme: mais de 40% dos homens brasileiros nunca procuraram um psicólogo.
- E de vez em quando, tem até dificuldade em trocar aquela lâmpada que prometeu arrumar há seis meses.
Enquanto isso, seguem dizendo que “tá tudo sob controle”.
Só não dizem que o controle é da ansiedade, da raiva e do silêncio que corrói por dentro.
A masculinidade como armadilha emocional
Desde pequenos, os meninos aprendem: homem não chora, homem “se vira”, homem “engole o choro”, homem “não leva desaforo”, homem “aguenta calado”. Que deve ser provedor, pegador e caladão – não é?
Resultado? Crescem emocionalmente analfabetos, mal sabem nomear o que sentem. Quando muito, têm dois modos de funcionamento:
- Raiva.
- Silêncio.
O resto? Vira dor de cabeça, dor nas costas, gastrite nervosa, insônia ou aquele copo de uísque com zolpidem pra dormir.
A masculinidade tradicional é uma espécie de prisão emocional com grades invisíveis e regras absurdas. A mais cruel delas: fingir que não sente nada.
Depressão masculina não tem cara de tristeza: tem cara de “tô ocupado”
Depressão em homens não é só choro e apatia. Ela vem disfarçada de:
- Irritabilidade crônica
- Isolamento disfarçado de “tô sem tempo”
- Cinismo excessivo
- Dependência de álcool, pornografia ou trabalho
- Piadas ácidas como forma de defesa emocional (sim, tipo essa aqui)
- Maratonas de vídeos de gente sendo espancada na internet.
Na dúvida, o homem se afasta. Se tranca. Se anestesia. E quando explode, ninguém entende o porquê.
Terapia é coisa de homem. Sofrer calado é coisa de estatística
Fazer terapia não é fraqueza. Fraqueza é continuar repetindo o script que te mata aos poucos só pra parecer forte.
Terapia é:
- Aprender a lidar com o passado sem se esconder atrás da piada.
- Reconhecer que nem todo “tô de boa” é verdadeiro.
- Evitar virar aquele tio amargurado que todo mundo tolera no Natal por pena.
- Parar de usar o silêncio como única estratégia de sobrevivência.
É olhar para dentro e entender que vulnerabilidade não é oposto de força, é a sua base mais sólida.
A saúde mental do homem moderno: burnout, Viagra e vazio existencial
Estamos diante de uma geração de homens que:
- Tomam ansiolítico de manhã, pré-treino à tarde e Zolpidem à noite.
- Postam frases motivacionais e não conseguem ficar sozinhos consigo mesmos.
- Estão mais preocupados em manter a performance do que a paz.
- Não sabem o que sentem, mas sentem tudo — e em silêncio.
Vivem uma masculinidade ansiosa, com medo de fracassar, de parecer fraco, de não performar o suficiente no trabalho, no sexo, na vida. São guerreiros no Instagram e crianças perdidas por dentro.
A revolução começa com um “tô mal, Txai”
Parece simples, mas é revolucionário. Dizer “não tô bem” para um amigo pode salvar vidas.
Talvez a sua.
Comece perguntando a si mesmo:
- Eu me permito sentir?
- Tenho com quem falar de verdade?
- O que me impede de buscar ajuda?
Pare de tratar sua saúde mental como se fosse opcional.
Ela é o alicerce. Todo o resto desaba se isso falhar.
Junho é só o começo. O resto do ano também é seu.
Saúde mental é um direito. E é autocuidado. Não é luxo de escritor sensível nem papo de advogado místico.
A proposta aqui não é romantizar a dor nem criar mais culpa.
É oferecer um espelho. E talvez, um empurrão.
Homem de verdade não é o que aguenta tudo calado.
É o que reconhece quando está no limite.
É o que cuida da mente como cuida do carro (com revisão constante e sem vergonha de chamar o mecânico).
A real masculinidade é ter coragem de mudar
Junho passa. As campanhas também.
Mas a dor continua onde foi escondida.
Por isso, pare de fingir.
Homem também sente. Homem também sofre. Homem não é de ferro, nem precisa ser.
E homem, quando é homem mesmo, pede ajuda.
Porque morrer por dentro é fácil.
Difícil é viver inteiro.
E se você chegou até aqui, parabéns: isso já é mais vulnerabilidade emocional do que 70% dos homens brasileiros conseguem demonstrar em um ano inteiro.
Feliz Junho! Cuide-se bem, porque se você não cuidar da sua saúde mental, ninguém fará isso por você. Aliás, aproveita e desinstala o macho alfa versão 1.0 — já tá cheio de bug.
Então, vai cuidar da mente ou prefere continuar tratando a ansiedade com cachaça e grosseria no supermercado?
E se você ainda acha que depressão masculina é frescura ou falta de churrasco, recomendo essa leitura aqui: Depressão Masculina: Não é Frescura, Nem Falta de Churrasco — É Falta de Alma (ou Excesso de Ego). E se sentir que já foi longe demais de si mesmo, talvez seja hora de voltar — não pra casa da mãe, mas pra casa interior. Nesse caso, esse outro texto pode ajudar: Uma Jornada Épica Sobre a Parábola do Filho Pródigo. Porque no fundo, entre um gole de cachaça e uma crise de ansiedade, o que esse homem moderno procura… é só um lugar pra existir sem ter que fingir.
Haux!
E não se esqueça: Todo sábado, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio. Segunda a gente volta com humor para os dias difíceis.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor e editor-chefe do Factótum Cultural. Se perdeu entre os livros, os filmes, os boletos e os rituais de Ayahuasca. Escreve para não enlouquecer — e às vezes enlouquece para escrever melhor.





