“Quando ainda estava longe, seu pai o viu, e, movido de compaixão, correu e o abraçou.” (Evangelho de Lucas, 15:20)

Existe uma história antiga, contada há mais de dois mil anos, que ainda ecoa profundamente na alma humana. Trata-se da parábola do filho pródigo, narrada no Evangelho de Lucas. Um jovem pede sua herança antes do tempo ao pai e parte para terras distantes. Lá, desperdiça tudo com prazeres passageiros e ilusões, até encontrar-se numa situação miserável, cuidando de porcos e desejando comer da mesma comida imunda que lhes era oferecida. Em meio ao caos e à dor, ele “cai em si” e decide retornar para casa, não mais como filho, mas como um simples servo.

Mas ao voltar, o pai o vê ainda distante, corre ao seu encontro e o abraça intensamente, sem julgamentos, sem cobranças, com o mais puro amor. Enquanto isso, o filho mais velho, aquele que ficou e cumpriu todas as obrigações, ressentido e amargurado, não entende a acolhida. O pai lhe diz então: “Filho, tudo o que tenho é teu, mas teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.”

Durante grande parte da minha vida, ouvi essa parábola superficialmente, até que um dia percebi, com lágrimas nos olhos e o coração dilacerado, que essa história falava diretamente sobre mim. Talvez, se você olhar fundo, perceba que também é sobre você. Mais que uma história moral, é um poderoso mapa da alma, revelando os estágios da consciência, os arquétipos universais, a fuga da Matrix das ilusões e o retorno heroico à nossa verdadeira essência.

Eu já fui o filho pródigo. Parti de mim mesmo sem perceber, deixando para trás aquilo que eu era realmente. Lembro-me claramente das noites em que procurei desesperadamente preencher meu vazio interior com prazeres rápidos e superficiais: relacionamentos sem profundidade, álcool, festas, status ilusórios. Vivi entre os porcos da minha própria existência: depressão, ansiedade, vícios e noites intermináveis. Uma dor silenciosa, que me rasgava lentamente por dentro, sem que ninguém percebesse.

Foi no ponto mais baixo dessa jornada, uma verdadeira “noite escura da alma”, como descreveu Carl Jung, que finalmente ouvi a voz da minha essência dizer suavemente: “Você não precisa mais viver assim.” Percebi então que estava preso em uma Matrix construída por minhas próprias ilusões e condicionamentos sociais, que prometia felicidade, mas entregava apenas vazio.

Também já fui o filho que ficou. Vivi o arquétipo do perfeccionista moralista, aquele que julgava silenciosamente quem caía, que sentia orgulho por nunca errar, mas que carregava uma amargura constante por não receber reconhecimento. Quantas vezes olhei o mundo com olhos frios, preso na rigidez do ego, exigindo um amor que jamais poderia ser merecido, apenas acolhido. Foi só depois de muito sofrimento que compreendi o quanto essa rigidez me afastava do amor verdadeiro.

Hoje, após trilhar esses caminhos difíceis, sinto profundamente o convite para me tornar o Pai, o arquétipo da consciência madura. Quero ser aquele que acolhe sem julgar, que compreende sem cobrar, que abraça incondicionalmente. Nesse momento, percebo claramente que sou todos esses personagens ao mesmo tempo, em constante movimento entre queda, aprendizado e renascimento. Essa é a verdadeira jornada do herói que cada um de nós está destinado a percorrer ao longo da vida.

Este texto é um convite profundo para você refletir sobre sua própria jornada heroica. Em qual estágio você está agora? Perdido na Matrix das ilusões, sentindo a dor profunda da solidão? Preso na rigidez do julgamento e ressentimento, incapaz de aceitar que o amor verdadeiro é livre? Seja qual for seu momento atual, lembre-se: existe sempre um caminho de volta para a sua essência, sua verdadeira casa.

Se você se sente perdido agora, quero que saiba que estou aqui por você. Não porque sou melhor ou perfeito, mas porque já percorri esses caminhos difíceis antes de você. Conheço essa estrada profundamente e quero te dizer algo que talvez ninguém tenha dito antes:

Nunca é tarde para retornar ao seu coração. Nunca é tarde para ser acolhido.

Levante-se. Desperte. Retorne à sua essência verdadeira. Você é esperado com amor.

Essa jornada de queda, dor e retorno não acontece só uma vez. Ela se revela em ciclos, em iniciações inesperadas, em silêncios profundos e pequenos despertares. Em “Se Ele voltasse hoje, você perceberia?”, escrevo sobre essa presença divina que não parte — e que talvez já tenha voltado, mas poucos perceberam. Já em “O dia em que fui iniciado”, compartilho (com humor) o momento em que tudo desabou para que algo maior pudesse nascer. São fragmentos da mesma jornada: a de quem um dia partiu de si, mas escolheu voltar inteiro (ou quase).

E não se esqueça: Todo sábado, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio. Segunda a gente volta com humor para os dias difíceis.

Haux!

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor e editor-chefe do Factótum Cultural.

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