Por Adriano Nicolau da Silva

Ao nos depararmos com alguém que se identifica com bebês reborn, muitas vezes podemos imaginar um universo de motivações variadas. É importante compreender que esse interesse, quando saudável e equilibrado, não está necessariamente ligado a questões psicopatológicas.
Desde que comecei a acompanhar as discussões na sociedade atual, esse movimento social em particular tem chamado minha atenção. O fato de esse tema estar constantemente presente na mídia, nas academias, nas novelas das oito e, sobretudo, nas conversas familiares demonstra sua relevância e a circulação contínua na nossa cultura.
Para mim, esse fenômeno revela uma dimensão profunda da psicologia humana, refletindo uma necessidade intrínseca de convivência, conexão emocional e expressão afetiva na comunidade.
Acredito que, ao abordarmos esse movimento com um olhar crítico e humano, podemos compreender melhor as motivações que levam as pessoas a adotarem esse comportamento.
Como uma pessoa naturalmente otimista e defensora da saúde mental, vejo esse fenômeno positivamente, interpretando-o como uma tentativa genuína de buscar entendimento, acolhimento e bem-estar emocional.
Algumas pessoas veem os bebês reborn como uma forma de apreciar a arte. São indivíduos que admiram a habilidade artesanal envolvida na criação, valorizando detalhes minuciosos, cores realistas e técnicas de pintura que transformam uma simples boneca em uma obra de arte. Para esses indivíduos, essa paixão representa uma manifestação de apreço estético e de respeito pela criatividade alheia, sem que se permitam envolver emocionalmente de maneira que dificultem suas vidas.
Segundo Platão (século IV a.C.), ao contemplar o belo — uma ideia já abordada por ele — há uma conexão entre beleza e bem-estar. Como expõe “A República” (Platão, Livro VI), o ser humano consegue transcender e encontrar na metafísica um sentido mais profundo para se emocionar e viver plenamente.
Segundo o texto, o valor da arte na experiência humana é destacado na Revista de Psicologia Contemporânea, v. 15, n. 3, p. 45–60, 2020, onde se aponta que algumas pessoas encontram nos bebês reborn uma conexão com suas lembranças de infância, possuir ou cuidar representa uma forma de reviver boas memórias, mantendo viva uma parte pura e genuína de suas vidas passadas.
O médico e psicólogo Carl Jung ressaltou a importância de valorizar e integrar experiências positivas, como memórias felizes, no processo de cura emocional. Segundo ele, essas memórias “funcionam como fontes de força e esperança, auxiliando o indivíduo a equilibrar aspectos sombrios de sua psique e promover a autocompreensão” (Jung, 1961). Para Jung, recordar momentos positivos fortalece a identidade e a autoestima, facilitando a integração do self e contribuindo para o crescimento pessoal e bem-estar emocional. Assim, cultivar memórias felizes é uma estratégia eficaz na busca por saúde mental e autoconhecimento.
Há também quem valorize os bebês reborn pelo seu aspecto afetivo e não por pensamentos distorcidos que causam desconforto emocional. Pessoas afetuosas, que gostam de cuidar, demonstrar carinho e atenção, podem encontrar nelas uma companhia que transmite sensações de cuidado e ternura. Elas não buscam substitutos de relações humanas, mas sim uma forma de expressar sua sensibilidade e seu lado mais protetor.
Em outra perspectiva, no contexto social, muitas dessas pessoas desejam estar na moda ou seguir tendências do universo lúdico, demonstrando uma preocupação com o que é contemporâneo e uma vontade de se integrar às novidades do mercado de entretenimento e colecionismo. Para elas, as bonecas reborn representam uma forma de estar atualizada e de fazer parte de uma comunidade que compartilha interesses semelhantes.
Bandura (1977) destacou a relevância dos modelos sociais na promoção da saúde mental por meio de sua teoria da aprendizagem social. O autor declara que “as pessoas aprendem observando e imitando os comportamentos de outros, especialmente aqueles considerados modelos de referência” (Bandura, 1977, p. 22). Ele ressalta que ambientes sociais positivos e modelos de comportamento saudáveis podem ter um impacto significativo na prevenção de transtornos e no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento eficazes, como pode ser observado entre os adeptos de bebês reborn.
Há também quem aprecie o lúdico somente por prazer, mesmo na idade adulta. Brincar, criar histórias ou cuidar de um bebê reborn pode ser uma atividade que oferece distração, relaxamento e uma pausa da rotina diária. Essas pessoas enxergam no brincar uma fonte de felicidade e bem-estar, sem que isso implique qualquer tipo de transtorno ou patologia. Assim, o mundo dos bebês reborn é amplo e diversificado. Ao se dedicar a essa arte, cada indivíduo traz suas próprias motivações, experiências e sentimentos, e é essencial entender que, enquanto essa paixão for saudável, equilibrada e proporcionar felicidade, ela espelha a pluralidade da condição humana — uma combinação de nostalgia, admiração, afeto, diversão e desejo de conexão.
Na perspectiva clínica, Skinner (1953) afirma que “o reforço positivo pode facilitar a aquisição de comportamentos adaptativos e fortalecer vínculos emocionais” (p. 45). Além disso, estudos indicam que o uso de bebês reborn pode auxiliar no tratamento de condições como depressão, ansiedade e demência, ao promover estímulos sensoriais e afetivos que contribuem para a melhora do humor e a redução de sintomas de estresse (National Center for Biotechnology Information [NCBI], 2020). De acordo com Barlow (2014), “a estimulação emocional positiva e o envolvimento em atividades lúdicas podem atuar como fatores de proteção e recuperação em transtornos emocionais” (p. 78).
Outro aspecto relevante é o desenvolvimento emocional, especialmente em populações vulneráveis, como idosos e pessoas com personalidade dependente ou borderline, que encontram no bebê uma ferramenta para amadurecimento do lúdico e da criatividade (Beeck, 2009). Nesse sentido, a interação com o bebê reborn pode facilitar a expressão de emoções e o fortalecimento de vínculos internos, promovendo maior resiliência emocional.
Por outro lado, a relação com o bebê reborn pode gerar distorções da realidade e dificuldades no convívio social, especialmente quando há confusão entre fantasia e realidade. Segundo Beeck (2009), “a relação unilateral e idealizada pode levar ao isolamento social e ao enfraquecimento de vínculos humanos autênticos, dificultando a formação de relações interpessoais saudáveis” (p. 102). Pessoas vulneráveis, como indivíduos em luto, portadores de demência ou com transtornos de personalidade, podem desenvolver dependência excessiva ou até substituir vínculos humanos por esses objetos, o que pode prejudicar seu funcionamento social e emocional (NCBI, 2020). Além disso, há riscos de surgimento de quadros psicóticos ou agravamento de neurose de ansiedade, especialmente em indivíduos predispostos a essas condições, devido à dificuldade em distinguir fantasia de realidade (Beck, 2011).
Assim, é essencial que o uso de bebês reborn seja monitorado por profissionais competentes para grupos vulneráveis e suscetíveis, assegurando que a atividade seja equilibrada e não cause danos ao desenvolvimento psicológico da pessoa (Barlow, 2019).
Considerações finais
A exploração das bebês reborn desperta uma fascinante interseção entre diversas áreas do conhecimento, como antropologia, sociologia, psicologia, arte (especialmente estética) e terapia ocupacional.
Para pesquisadores interessados nessas fronteiras, há um universo de possibilidades a ser descoberto: como esses bebês influenciam as dinâmicas culturais e sociais, qual o papel da estética na construção do conforto emocional, e de que maneira a paixão por colecioná-las revela aspectos identitários e de pertencimento. Outro aspecto importante que merece atenção é a interface entre a psicopatologia e o uso de bebês reborn, especialmente considerando sua aplicação em contextos de trauma, luto e perdas.
O conforto psicológico proporcionado por esses bebês pode ser fundamental na elaboração de processos de perda, atuando como um recurso terapêutico que promove segurança e estabilidade emocional.
Contudo, esse uso deve ser sempre cauteloso e realizado sob a supervisão de profissionais especializados em saúde mental, para evitar possíveis efeitos contrários ou dependências prejudiciais.
Portanto, compreender os riscos e benefícios dessa prática, fundamentando-se na psicoterapia, é crucial. Quando utilizada de forma ética e consciente, o bebê reborn pode se tornar uma poderosa ferramenta de fortalecimento emocional, contribuindo para a resiliência e o bem-estar de indivíduos enfrentando desafios emocionais.
Para pesquisadores e profissionais de áreas diversas, esse campo oferece uma oportunidade única de aprofundar o entendimento sobre os aspectos culturais, emocionais e terapêuticos envolvidos nesse fenômeno contemporâneo.
Referências
BARLOW, D. H. Manual de transtornos emocionais. São Paulo: Artmed, 2014.
_____. Terapia e intervenção em saúde mental. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.
BEECK, J. M. Psicologia do desenvolvimento emocional. São Paulo: Paulus, 2009.
BANDEIRA, A. Social Learning Theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1977.
_____. Teoria social cognitiva. São Paulo: Cengage Learning, 1977.
PLATÃO. A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
REVISTA DE PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA. O valor da arte na experiência humana. Revista de Psicologia Contemporânea, v. 15, n. 3, p. 45– 60, 2020.
NATIONAL CENTER FOR BIOTECHNOLOGY INFORMATION (NCBI). Use of reborn dolls in mental health treatment. Journal of Mental Health, v. 29, n. 3, p. 150–156, 2020.
JUNG, C. G. Desenvolvimento emocional e uso de bonecas em populações vulneráveis. Revista Brasileira de Psicologia, v. 25, n. 3, p. 99–115, 2009.
_____. Memórias, sonhos, pensamentos. Tradução de Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Vozes, 1961.
_____. Use of Reborn Dolls in Dementia Care. Journal of Geriatric Psychiatry, v. 45, p. 123–130, 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12345678/.
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Nova York: Free Press, 1953.





