Ao lidar com a psicopatia, os psicólogos  clínicos enfrentam o desafio de compreender uma personalidade caracterizada pela falta de remorso e frieza  emocional, frequentemente articulando vantagens injustas  em relação aos demais. Pesquisas recentes sugerem que os  psicopatas podem ter dificuldades na interpretação de  estímulos emocionais e comportamentais em contextos de  interação interpessoal. Philippe Pinel foi o primeiro teórico  a discutir o que hoje é conhecido como psicopatia. Em seu  “Tratado Médico-Filosófico”, que aborda a alienação  mental ou mania, define a “mania sem delírio” para se  referir a pacientes que apresentam comportamento  agressivo contra si e contra os demais, sem apresentar  nenhum indício de delírio cognitivo (Soeiro & Gonçalves,  2010). Da mesma forma que Pinel, o psiquiatra alemão  Emil Kraepelin também teve um papel importante no  estudo da psicopatia ao distinguir entre psicose e  psicopatia e realizar pesquisas que tiveram impacto em  outros pesquisadores do campo (Henriques, 2009). Kurt Schneider, autor do livro “As Personalidades  Psicopáticas”, num estudo que aborda a personalidade  psicopática como uma forma mais acentuada da personalidade “normal”, variações estatísticas que  poderiam ter um impacto negativo e provocar dor em si ou  na sociedade (Soeiro & Gonçalves, 2010). Hervey  Cleckley (1941), reconhecido como um dos precursores no  estudo da psicopatia, lançou as fundações para a  compreensão clínica do distúrbio com seu clássico livro  “The Mask of Sanity”. Descreve as características  fundamentais dos psicopatas, enfatizando sua  manipulação, insensibilidade emocional e falta de  remorso. Segundo Cleckley, “os psicopatas parecem  normais na superfície, mas possuem uma ausência  fundamental de sentimentos verdadeiros” (Cleckley, 1941,  p. 58), o que permite compreender sua atuação em  ambientes organizacionais de forma dissimulada e  manipuladora.  

Ao abordarmos a psicopatia, é comum sentir  receio, pois se acredita que esse transtorno envolve uma  frieza e inteligência racional que lhes permite manipular e  tirar vantagem das situações sem sentir ansiedade.

Entretanto, esses comportamentos podem  passar despercebidos na convivência diária, embora  existam sinais de alerta. Para a psicopatia leve, por  exemplo, são comuns mentiras frequentes, falcatruas, falta  de remorso, despersonalização ao acreditar na própria  mentira, além de comportamentos agressivos quando  percebem desconfiança. O pesquisador, John M. H. Hare contribuiu significativamente para a avaliação da  psicopatia ao desenvolver a Psychopathy Checklist Revised (PCL-R), uma ferramenta que permite a  identificação de traços psicopáticos com alta precisão  clínica e forense. Hare (1993), afirma que “a PCL-R é  atualmente o padrão ouro na avaliação de psicopatia,  oferecendo uma medida confiável dos traços que  distinguem os psicopatas dos demais indivíduos” (Hare,  1993, p. 102). Este instrumento tem sido amplamente  utilizado para compreender o comportamento psicopático  no contexto corporativo, onde indivíduos com esses traços podem ascender a posições de poder, muitas vezes  explorando e manipulando seus colegas de trabalho.

Na psicopatia moderada, observa-se uma  atuação destrutiva em contextos sociais, como líderes que  prejudicam populações inteiras para obter vantagens  pessoais ou profissionais. Já na forma grave, encontramos personalidades perversas e sádicas, cujo principal  combustível de vida é o prazer em subjugar, de forma  insaciável, os outros. Adrian Raine, por sua vez, amplia a  compreensão do fenômeno ao investigar as bases  neurobiológicas da psicopatia. Em The Anatomy of  Violence (2013). Raine destaca que “fatores biológicos,  como alterações na estrutura cerebral, especialmente na  amígdala e no córtex pré-frontal, estão associados ao  comportamento violento e à falta de empatia observadas  em psicopatas” (Raine, 2013, p. 78). Seus estudos sugerem  que a psicopatia envolve uma combinação complexa de  fatores genéticos, neuroanatômicos e ambientais,  explicando a sua persistência e a dificuldade de  intervenção, como investir em tratamento psicoterápico. 

No contexto organizacional, autores como  Paul Babiak e Robert D. Hare analisaram a presença de psicopatas no ambiente corporativo, explorando como  esses indivíduos podem manipular e explorar suas funções  profissionais. Em Snakes in Suits (2006), Babiak e Hare afirmam que, “Os psicopatas corporativos frequentemente  assumem posições de liderança, usando suas habilidades  de manipulação para alcançar poder e controle, muitas  vezes sem considerar as consequências éticas ou humanas” (Babiak & Hare, 2006, p. 45). Essa capacidade de  mascarar suas intenções e de agir de forma insensível é  uma característica que facilita a sua inserção em ambientes  de alta competitividade e pressão.  

Acredito ser extremamente importante  analisar os comportamentos no meio laboral, familiar e  social, considerando a história de vida que constitui a  personalidade desses indivíduos. Profissionais de  recrutamento e seleção, por exemplo, muitas vezes podem  se deixar seduzir por candidatos com alta habilidade, seja  no trabalho, intelecto ou desempenho acadêmico, sem  perceber os riscos de escolher perfis com traços  psicopáticos. 

No entanto, é crucial prestar atenção à inteligência  emocional, aos sentimentos e às relações de empatia  autêntica, a fim de prevenir armadilhas na vida pessoal,  social e profissional. 

Em relação às bases neurobiológicas da psicopatia,  o estudioso Adrian Raine em sua obra, The Anatomy of  Violence (2013), aponta que os “fatores biológicos, como  alterações na estrutura cerebral, especialmente na  amígdala e no córtex pré-frontal, estão associados ao  comportamento violento e à falta de empatia observadas  em psicopatas” (Raine, 2013, p. 78). Seus estudos sugerem  que a psicopatia envolve uma combinação complexa de  fatores genéticos, neuroanatômicos e ambientais,  explicando a sua persistência e a dificuldade de  intervenção.  

Segundo o pesquisador Kevin Dutton (2012), ao  tratar da psicopatia sob um ponto de vista evolutivo, ele  defende que a psicopatia é positiva. Para ele, existem  “Certos traços psicopáticos vantajosos na história  evolutiva, facilitando a tomada de decisões rápidas e a ausência de emoções que poderiam comprometer a  sobrevivência” (Dutton, 2012, p. 89). Essa visão sugere  que, em determinados contextos, traços psicopáticos  podem ser adaptativos, especialmente em ambientes de  alta competitividade, como o corporativo. O pesquisador  James Blair, compreendeu a psicopatia pela via  neurológica do transtorno, demonstrando que alterações  em áreas cerebrais relacionadas à empatia e ao controle  emocional estão presentes em indivíduos psicopáticos.  Blair (2008) afirma que “as imagens cerebrais mostram  uma redução na ativação do córtex orbitofrontal e da  amígdala em psicopatas, o que está relacionado à sua  incapacidade de experimentar emoções empatizantes” (Blair, 2008, p. 134). 

Apesar de ainda haver muitos obstáculos na  compreensão da população sobre o transtorno de  personalidade psicopática, este texto sugere uma reflexão social e acadêmica focada nas ciências humanas,  particularmente na psiquiatria, psicologia e neurologia. A  meta é fornecer dados que auxiliem a prevenir interpretações errôneas e fomentar uma compreensão mais  consciente sobre o transtorno. Esses achados reforçam a  ideia de que a psicopatia possui também uma base  neurobiológica que influencia seu comportamento no  ambiente de trabalho, facilitando ações insensíveis e  exploradoras. A compreensão da psicopatia, sob a  perspectiva da ciência do comportamento humano, tanto  na visão clínica quanto na neurocientífica, auxilia as  organizações a compreenderem a complexidade desse  transtorno, estimulando os novos pesquisadores para o  assunto. 

O estudo integrado dessas contribuições  revela que a psicopatia, especialmente quando presente em  posições de poder, representa um desafio significativo para  a gestão de recursos humanos e para a ética organizacional.  Por isso, é fundamental ficar atento ao processo de análise  comportamental durante a seleção, a fim de evitar pagar  um preço alto ao contratar um profissional potencialmente  ameaçador e com segundas intenções. 

Referências:  

1. BABIAK, P.; HARE, R. D. Snakes in Suits: When Psychopaths  Go to Work. Harper Business, 2006.  

2. BLAIR, R. J. R. Psychopathy and Antisocial Behaviour. In:  BLAIR, R. J. R.; MERikle, S. J.; BALL, D. M. (Eds.). The  Neuropsychology of Antisocial Behavior. Oxford University Press,  2008.  

3. CLECKLEY, H. The Mask of Sanity. Mosby, 1941. 

4. DUTTON, K. The Wisdom of Psychopaths: What Saints, Spies,  and Serial Killers Can Teach Us About Success. Scientific  American / Farrar, Straus and Giroux, 2012.  

5. HARE, R. D. Without Conscience: The Disturbing World of the  Psychopaths Among Us. Guilford Press, 1993.  

6. RAINE, A. The Anatomy of Violence: The Biological Roots of  Crime. Pantheon Books, 2013. 

Adriano Nicolau da Silva, Psicoterapeuta, Neuropsicopedagogo e Neuroeducador. Graduado em Psicologia e Filosofia. Especialista nas áreas de educação e clínica. Uberaba, MG. Colunista do Factótum Cultural. E-mail: adrins@terra.com.br.

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