Por Adriano Nicolau da Silva

É crucial ter cuidado com pessoas psicopatas no local de trabalho, considerando o potencial de danos que tais perfis podem provocar tanto no âmbito profissional quanto no social. Embora a ciência ainda não entenda completamente as causas de certas lesões de caráter, é conhecido que essas pessoas podem sentir prazer ao infligir dor psicológica ou física a outrem, frequentemente de maneira sutil e sofisticada. A psicopatia no ambiente de trabalho é um assunto de grande importância na psicologia forense e organizacional, particularmente quando avaliada à luz de pesquisas pioneiras e atuais que esclareceram as características clínicas, neurológicas e comportamentais do transtorno.
Ao lidar com a psicopatia, os psicólogos clínicos enfrentam o desafio de compreender uma personalidade caracterizada pela falta de remorso e frieza emocional, frequentemente articulando vantagens injustas em relação aos demais. Pesquisas recentes sugerem que os psicopatas podem ter dificuldades na interpretação de estímulos emocionais e comportamentais em contextos de interação interpessoal. Philippe Pinel foi o primeiro teórico a discutir o que hoje é conhecido como psicopatia. Em seu “Tratado Médico-Filosófico”, que aborda a alienação mental ou mania, define a “mania sem delírio” para se referir a pacientes que apresentam comportamento agressivo contra si e contra os demais, sem apresentar nenhum indício de delírio cognitivo (Soeiro & Gonçalves, 2010). Da mesma forma que Pinel, o psiquiatra alemão Emil Kraepelin também teve um papel importante no estudo da psicopatia ao distinguir entre psicose e psicopatia e realizar pesquisas que tiveram impacto em outros pesquisadores do campo (Henriques, 2009). Kurt Schneider, autor do livro “As Personalidades Psicopáticas”, num estudo que aborda a personalidade psicopática como uma forma mais acentuada da personalidade “normal”, variações estatísticas que poderiam ter um impacto negativo e provocar dor em si ou na sociedade (Soeiro & Gonçalves, 2010). Hervey Cleckley (1941), reconhecido como um dos precursores no estudo da psicopatia, lançou as fundações para a compreensão clínica do distúrbio com seu clássico livro “The Mask of Sanity”. Descreve as características fundamentais dos psicopatas, enfatizando sua manipulação, insensibilidade emocional e falta de remorso. Segundo Cleckley, “os psicopatas parecem normais na superfície, mas possuem uma ausência fundamental de sentimentos verdadeiros” (Cleckley, 1941, p. 58), o que permite compreender sua atuação em ambientes organizacionais de forma dissimulada e manipuladora.
Ao abordarmos a psicopatia, é comum sentir receio, pois se acredita que esse transtorno envolve uma frieza e inteligência racional que lhes permite manipular e tirar vantagem das situações sem sentir ansiedade.
Entretanto, esses comportamentos podem passar despercebidos na convivência diária, embora existam sinais de alerta. Para a psicopatia leve, por exemplo, são comuns mentiras frequentes, falcatruas, falta de remorso, despersonalização ao acreditar na própria mentira, além de comportamentos agressivos quando percebem desconfiança. O pesquisador, John M. H. Hare contribuiu significativamente para a avaliação da psicopatia ao desenvolver a Psychopathy Checklist Revised (PCL-R), uma ferramenta que permite a identificação de traços psicopáticos com alta precisão clínica e forense. Hare (1993), afirma que “a PCL-R é atualmente o padrão ouro na avaliação de psicopatia, oferecendo uma medida confiável dos traços que distinguem os psicopatas dos demais indivíduos” (Hare, 1993, p. 102). Este instrumento tem sido amplamente utilizado para compreender o comportamento psicopático no contexto corporativo, onde indivíduos com esses traços podem ascender a posições de poder, muitas vezes explorando e manipulando seus colegas de trabalho.
Na psicopatia moderada, observa-se uma atuação destrutiva em contextos sociais, como líderes que prejudicam populações inteiras para obter vantagens pessoais ou profissionais. Já na forma grave, encontramos personalidades perversas e sádicas, cujo principal combustível de vida é o prazer em subjugar, de forma insaciável, os outros. Adrian Raine, por sua vez, amplia a compreensão do fenômeno ao investigar as bases neurobiológicas da psicopatia. Em The Anatomy of Violence (2013). Raine destaca que “fatores biológicos, como alterações na estrutura cerebral, especialmente na amígdala e no córtex pré-frontal, estão associados ao comportamento violento e à falta de empatia observadas em psicopatas” (Raine, 2013, p. 78). Seus estudos sugerem que a psicopatia envolve uma combinação complexa de fatores genéticos, neuroanatômicos e ambientais, explicando a sua persistência e a dificuldade de intervenção, como investir em tratamento psicoterápico.
No contexto organizacional, autores como Paul Babiak e Robert D. Hare analisaram a presença de psicopatas no ambiente corporativo, explorando como esses indivíduos podem manipular e explorar suas funções profissionais. Em Snakes in Suits (2006), Babiak e Hare afirmam que, “Os psicopatas corporativos frequentemente assumem posições de liderança, usando suas habilidades de manipulação para alcançar poder e controle, muitas vezes sem considerar as consequências éticas ou humanas” (Babiak & Hare, 2006, p. 45). Essa capacidade de mascarar suas intenções e de agir de forma insensível é uma característica que facilita a sua inserção em ambientes de alta competitividade e pressão.
Acredito ser extremamente importante analisar os comportamentos no meio laboral, familiar e social, considerando a história de vida que constitui a personalidade desses indivíduos. Profissionais de recrutamento e seleção, por exemplo, muitas vezes podem se deixar seduzir por candidatos com alta habilidade, seja no trabalho, intelecto ou desempenho acadêmico, sem perceber os riscos de escolher perfis com traços psicopáticos.
No entanto, é crucial prestar atenção à inteligência emocional, aos sentimentos e às relações de empatia autêntica, a fim de prevenir armadilhas na vida pessoal, social e profissional.
Em relação às bases neurobiológicas da psicopatia, o estudioso Adrian Raine em sua obra, The Anatomy of Violence (2013), aponta que os “fatores biológicos, como alterações na estrutura cerebral, especialmente na amígdala e no córtex pré-frontal, estão associados ao comportamento violento e à falta de empatia observadas em psicopatas” (Raine, 2013, p. 78). Seus estudos sugerem que a psicopatia envolve uma combinação complexa de fatores genéticos, neuroanatômicos e ambientais, explicando a sua persistência e a dificuldade de intervenção.
Segundo o pesquisador Kevin Dutton (2012), ao tratar da psicopatia sob um ponto de vista evolutivo, ele defende que a psicopatia é positiva. Para ele, existem “Certos traços psicopáticos vantajosos na história evolutiva, facilitando a tomada de decisões rápidas e a ausência de emoções que poderiam comprometer a sobrevivência” (Dutton, 2012, p. 89). Essa visão sugere que, em determinados contextos, traços psicopáticos podem ser adaptativos, especialmente em ambientes de alta competitividade, como o corporativo. O pesquisador James Blair, compreendeu a psicopatia pela via neurológica do transtorno, demonstrando que alterações em áreas cerebrais relacionadas à empatia e ao controle emocional estão presentes em indivíduos psicopáticos. Blair (2008) afirma que “as imagens cerebrais mostram uma redução na ativação do córtex orbitofrontal e da amígdala em psicopatas, o que está relacionado à sua incapacidade de experimentar emoções empatizantes” (Blair, 2008, p. 134).
Apesar de ainda haver muitos obstáculos na compreensão da população sobre o transtorno de personalidade psicopática, este texto sugere uma reflexão social e acadêmica focada nas ciências humanas, particularmente na psiquiatria, psicologia e neurologia. A meta é fornecer dados que auxiliem a prevenir interpretações errôneas e fomentar uma compreensão mais consciente sobre o transtorno. Esses achados reforçam a ideia de que a psicopatia possui também uma base neurobiológica que influencia seu comportamento no ambiente de trabalho, facilitando ações insensíveis e exploradoras. A compreensão da psicopatia, sob a perspectiva da ciência do comportamento humano, tanto na visão clínica quanto na neurocientífica, auxilia as organizações a compreenderem a complexidade desse transtorno, estimulando os novos pesquisadores para o assunto.
O estudo integrado dessas contribuições revela que a psicopatia, especialmente quando presente em posições de poder, representa um desafio significativo para a gestão de recursos humanos e para a ética organizacional. Por isso, é fundamental ficar atento ao processo de análise comportamental durante a seleção, a fim de evitar pagar um preço alto ao contratar um profissional potencialmente ameaçador e com segundas intenções.
Referências:
1. BABIAK, P.; HARE, R. D. Snakes in Suits: When Psychopaths Go to Work. Harper Business, 2006.
2. BLAIR, R. J. R. Psychopathy and Antisocial Behaviour. In: BLAIR, R. J. R.; MERikle, S. J.; BALL, D. M. (Eds.). The Neuropsychology of Antisocial Behavior. Oxford University Press, 2008.
3. CLECKLEY, H. The Mask of Sanity. Mosby, 1941.
4. DUTTON, K. The Wisdom of Psychopaths: What Saints, Spies, and Serial Killers Can Teach Us About Success. Scientific American / Farrar, Straus and Giroux, 2012.
5. HARE, R. D. Without Conscience: The Disturbing World of the Psychopaths Among Us. Guilford Press, 1993.
6. RAINE, A. The Anatomy of Violence: The Biological Roots of Crime. Pantheon Books, 2013.
7. Soeiro, C, & Gonçalves, R.A. (2010). O estado de arte do conceito de psicopatia. Análise Psicológica, 28(1), 227–240.

Adriano Nicolau da Silva, Psicoterapeuta, Neuropsicopedagogo e Neuroeducador. Graduado em Psicologia e Filosofia. Especialista nas áreas de educação e clínica. Uberaba, MG. Colunista do Factótum Cultural. E-mail: adrins@terra.com.br.





