Escrever Para Não Enlouquecer – Por Neemias

Zeus criou o mundo em seis dias. Isso a gente já sabe. No sétimo, descansou. E no oitavo — que ninguém comenta — Ele simplesmente fechou a porta da Criação, desligou as notificações e foi tirar umas férias em alguma galáxia ainda não mapeada. Desde então, a humanidade está no modo aleatório, tentando fazer sentido enquanto inventa boletos, guerras e influencers.
Na semana passada, inclusive, elegeram um novo papa. O povo na praça, os sinos tocando, a fumacinha branca. Tudo muito bonito. Só que ninguém parou pra pensar que o novo representante de Zeus na Terra acabou de assumir um cargo que o próprio Zeus largou no RH há milênios. O currículo é bonito, mas o cargo vem com um problema antigo: o chefe não aparece mais. E, mesmo que aparecesse, teria que marcar horário com o Vaticano, passar por detectores de metal e talvez levar um dossiê sobre a própria existência. Se duvidar, nem entra sem crachá.
Enquanto isso, nos bastidores da fé, o apocalipse anda em alta. Tem gente vendo sinal no céu, na vacina, no preço do tomate. Até já dizem por aí que esse novo papa é o último da fila, segundo a tal Profecia de São Malaquias. Tem até Zumanos que acreditam fielmente em prints de WhatsApp com “revelações proféticas”. Falam de arrebatamento, da grande tribulação, do fim dos tempos. Mas vamos combinar: que fim? Isso aqui parece mais um looping. Se Jesuz resolvesse mesmo voltar agora, teria que pegar metrô lotado, enfrentar a Receita Federal e ainda ouvir sermão de coach espiritual. Vai voltar pra quê? Pregar pra quem? Com esse povo dividido entre salvar a alma e atualizar o feed?
E se viesse mesmo, arrisco dizer que ninguém acreditaria. “Esse aí? Esse cabeludo de havaiana? Discurso de amor e crítico ao sistema? Deve ser mais um daqueles que largou tudo pra viver do que a natureza oferece“. No máximo, conseguiria um story no Instagram com a legenda: “olha esse doido aqui falando em perdão.” E ainda assim vão perguntar: “Mas você tem quantos seguidores?” Colocariam na fila do CAPS e pediriam internação compulsória. E eu, como bom advogado, até tentaria defendê-lo. Mas, com minha cara de ayahuasqueiro e meus antecedentes filosóficos, acabaria internado junto. A diferença é que eu levaria um bloquinho pra escrever sobre a experiência. Porque, no fim, escrever ainda é meu habeas corpus pessoal.
Enquanto isso, aqui embaixo, seguimos atribulados e tentando manter a sanidade. Uns com medo de chip na testa, outros tentando cocriar realidade com afirmações positivas e boletos vencidos. Há quem diga que a Terra está mudando de dimensão, que vem uma nova era de luz. Talvez. Mas também tem fraude no INSS, e isso ninguém explica espiritualmente.
A verdade é que Zeus está de férias. E Jesuz… bom, deve estar revendo os planos. Porque voltar do céu, em glória, pra lidar com esse caos aqui embaixo — sinceramente — é pedir pra se decepcionar pela segunda vez.
E no meio de tudo isso, surgiu a inteligência artificial. Alguns acham que ela é o anticristo, outros que é o próprio salvador. Enquanto uns usam pra gerar boletos mais rápido, outros tentam conversar com Jesuz via chatbot. Tem pastor pregando com ajuda do ChatGPT, guru lançando oráculo digital e gente perguntando pra IA se vai ser arrebatada ou cancelada. A verdade é que, se Jesuz não voltar logo, talvez a inteligência artificial tome conta do céu e do juízo final. E do jeito que andamos, até a IA já tá pedindo férias.
Buda, ao que tudo indica, alcançou o Nirvana e desligou as notificações. Tupã largou o raio e virou consultor de masculinidade tóxica. Shiva entrou num transe profundo e deixou um bilhete: “Não me acordem antes da Era de Ouro”. Thor agora só responde por e-mail da Marvel. E os deuses egípcios, bem… esses viraram figurantes em documentário do History Channel sobre alienígenas ancestrais.
E no fim das contas, quem precisa voltar somos nós. Voltar pra dentro, pra essência, pro silêncio que esquecemos. O Reino de Deus continua onde sempre esteve: dentro. Mas a humanidade prefere procurar nas redes sociais, no fim dos tempos ou no Instagram do novo papa.
Vai ver, o arrebatamento real é só quando a gente arrebata a si mesmo da própria ignorância. E, quem sabe, nesse dia, Deus até mande um cartão-postal das férias.
Toda segunda, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” traz humor para os dias difíceis. Sábado a gente fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor e editor-chefe do Factótum Cultural. Se perdeu entre os livros, os filmes, os boletos e os rituais de Ayahuasca. Escreve para não enlouquecer — e às vezes enlouquece para escrever melhor.





