O Livre-Arbítrio é um Mito

Durante séculos, a ideia de livre-arbítrio foi considerada uma das bases da condição humana. Acreditar que somos autores conscientes de nossas próprias escolhas sustenta sistemas jurídicos, doutrinas religiosas, teorias morais e projetos de vida. Mas e se essa ideia estiver errada? Essa é a hipótese central do neurocientista Robert Sapolsky em seu livro Determinados: A ciência da vida sem livre-arbítrio.

Quem é Robert Sapolsky?

Professor de biologia, neurologia e neurocirurgia na Universidade de Stanford, Robert Sapolsky é conhecido por seu trabalho multidisciplinar, que abrange neurociência, comportamento animal, endocrinologia e psicologia. Autor de obras como Comporte-se e Why Zebras Don’t Get Ulcers, Sapolsky tem se dedicado a entender o comportamento humano através de uma lente biológica. Em Determinados, ele radicaliza suas conclusões anteriores ao afirmar que o livre-arbítrio é uma ilusão total.

A tese central: somos máquinas biológicas

Sapolsky defende que todo comportamento humano é resultado de uma complexa rede de causas biológicas e ambientais. Genética, estrutura cerebral, níveis hormonais, traumas infantis, contexto familiar, cultura local, eventos ocorridos segundos antes de uma ação: tudo isso contribui para o que fazemos. Não há espaço para uma “vontade livre” que se sobreponha a essas influências.

O autor compara o ser humano a uma máquina biológica extremamente sofisticada, cujas respostas podem ser estudadas, previstas e explicadas com base em mecanismos causais. Não escolhemos nossos genes, nem onde nascemos, nem o que nos aconteceu. Logo, segundo ele, não escolhemos verdadeiramente nossas ações.

Evidências da neurociência

Sapolsky se apoia em estudos que mostram que o cérebro toma decisões antes mesmo que tenhamos consciência delas. Pesquisas com neuroimagem identificam ativações cerebrais que precedem escolhas conscientes, o que sugere que a “decisão” é apenas o ponto final de um processo que já estava em andamento.

Ele também explora estudos sobre transtornos de personalidade, lesões cerebrais e variantes genéticas que afetam o comportamento. Um exemplo citado: uma variante ligada à regulação da serotonina, que pode aumentar a agressividade — mas apenas em indivíduos criados em ambientes abusivos. Esse tipo de dado mostra como genética e ambiente caminham juntos, moldando quem somos e como agimos.

Implicações jurídicas e éticas

Se não escolhemos nossos atos, como responsabilizar alguém por eles? Essa pergunta, desconfortável, é central em Determined. Sapolsky critica o sistema penal baseado na ideia de culpa moral. Em vez disso, propõe um modelo focado em prevenção, reabilitação e proteção social. Não se trata de inocentar quem comete crimes, mas de abandonar a ideia de que punição é uma forma justa de retribuição.

Para o autor, a verdadeira justiça deve reconhecer as causas do comportamento e agir sobre elas. Isso envolve educação, suporte social, tratamento de transtornos mentais e combate às desigualdades. É uma proposta de longo prazo, mas mais eficaz e compassiva.

Religião, moral e sentido

A negação do livre-arbítrio também afeta a espiritualidade. Se não somos livres, como pode haver pecado ou mérito? Como Deus pode julgar? Sapolsky não oferece respostas teológicas, mas propõe uma postura mais humilde diante da complexidade humana: ao invés de julgar, compreender. Ao invés de condenar, acolher. A ciência, para ele, não tira o sentido da vida — ela apenas convida a repensar o que chamamos de responsabilidade.

Conclusão

Determinados é um livro incômodo, mas necessário. Ele nos obriga a encarar uma possibilidade radical: de que não somos livres, mas condicionados. Que nossas escolhas são, na verdade, conseqüências. Ao mesmo tempo, nos convida a olhar o outro com mais empatia, não como culpado, mas como produto de causas que não escolheu.

Robert Sapolsky não destrói a humanidade ao negar o livre-arbítrio. Ele a amplia, revelando sua complexidade e exigindo uma nova forma de lidar com o comportamento humano. Uma forma que una ciência, compaixão e responsabilidade coletiva.

Minha visão pessoal

Concordo com Sapolsky: não temos livre-arbítrio pleno. Somos condicionados por fatores genéticos, neurológicos e sociais que moldam nossas ações. Mas, pessoalmente, acredito que tudo isso faz parte de um plano maior — como se estivéssemos em uma simulação, onde o roteiro já está escrito.

Dentro desse roteiro, temos certa margem de escolha, mas ela é limitada. Podemos decidir como reagir, por qual trilha seguir, mas o destino final já está traçado. O livre-arbítrio existe, sim, mas confinado dentro de um sistema maior que nos escapa.

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