Um mês de férias! O que fazer? Há tanto o que fazer! E quando elas chegam: tão pouco tempo para tanto.

Um mês de pura flexibilidade e uma jornada de 5X2 durante 11 meses como docente constituem o meu ano. O meu e de muitas tantas professoras mães do nosso país. A “pura flexibilidade” em um mês de férias corresponde a lavar a roupa de manhã ou à tarde; a colocá-la no varal de noite ou no outro dia de manhã; recolher a roupa e dobrá-la em seguida ou não; tirar um cochilo à tarde ou assistir a um filme; acordar depois das 7h para organizar casa e almoço ou fazer o almoço e depois organizar a casa. Notem: férias é uma palavra complexa para mulheres. Pensem na exaustão de trabalhar 40 horas semanais e mais tantas outras em casa. E considerem: nem todas usufruem de férias, pois há profissionais que não têm emprego formal.

E por que eu estou escrevendo sobre isso? Bom, enquanto organizo armários, limpo os calçados, depois ralo legumes, corto tomates, tiro escamas de peixes (e esse trabalho não é exclusivo meu em casa, mas para muitas mulheres é), enquanto tiro o cheiro do peixe (já consumido) que ficou nas mãos (mesmo após lavar toda a louça) com a água sanitária com que lavo o banheiro, eu vou pensando no trabalho humano, no trabalho de quem limpa, de quem cuida, de quem faz as listas, de quem lembra as crianças de que é preciso tomar água e tomar banho, de quem fez tudo o que não se pode ver que foi feito porque geralmente só é visto quando não foi feito, eu penso na condição humana do trabalho das pessoas que acontece para que outras pessoas possam desenvolver o seu trabalho.

Eu penso no padeiro e no horário em que ele deixou sua casa, na confeiteira que faz bolos e que chegará exausta e, provavelmente, não conseguirá brincar com seus filhos. Penso no percurso que o zelador faz até chegar em sua casa quando volta do trabalho. Penso naqueles que colorem nossas vidas com seu trabalho. Enfim, penso porque como Saramago ensina, “trabalhar com as mãos ensina muito”.

Longe, ao menos por esses momentos de “trabalho de férias”, do smartphone que me serve de rádio para ouvir Lenine, Bethânia e Chico Cesar, eu ouço e penso melhor. Quem sabe se sairmos da bolha virtual a que nos prendemos, os pensamentos mais humanamente possíveis voltem a nos habitar.

Gisele de Souza Gonçalves, mãe,  professora da educação básica, doutora pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

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