Por Adriano Nicolau da Silva

Fazer História do Presente implica realizar uma análise crítica e reflexiva dos acontecimentos que moldam a nossa época. Esse tipo de abordagem historiográfica surge da necessidade de compreender as dinâmicas sociais, trabalhistas, políticas e culturais que nos envolvem. A História do Presente vai além de simplesmente relatar fatos passados, sendo um esforço interpretativo que busca entender significados, causas e impactos. Rémond é quem traz de volta a história política como tema central do debate historiográfico, e conforme Tétart, esse retorno teve papel crucial na consolidação da história do presente, mesmo apontando que “o presente e o imediato não podem nem devem se restringir a uma narrativa renovada do político, embora esta funcione como um motor dinamizador” (TÉTART, 1999: 14).
O intuito de abordar a História do Presente está relacionado à necessidade de entender fenômenos que afetam a vida atualmente, como trabalho, crises políticas, mobilizações sociais, transformações econômicas e alterações climáticas. Ao analisar esses eventos, os historiadores buscam auxiliar na construção de uma consciência crítica na sociedade, ajudando a desvelar as origens dos problemas contemporâneos e ponderando sobre possíveis soluções. Ser um historiador do presente requer desenvolver uma sensibilidade para as questões atuais e um compromisso ético com a observação e a pesquisa. Isso exige um aprendizado que vai além do conhecimento técnico sobre métodos de historiografia; é necessário também ter a capacidade de compreender o entorno e questionar as narrativas prevalentes.
Os historiadores do presente devem estar prontos para se envolver com a realidade contemporânea, utilizando uma variedade de fontes, como mídias digitais, entrevistas, documentos oficiais e testemunhos pessoais. Dessa pluralidade de fontes enriquece a compreensão dos fenômenos analisados. Quando o historiador se coloca diante do seu tempo, ele não é apenas um observador, mas sim um agente ativo que investiga, interpreta e, por vezes, critica as narrativas predominantes na sociedade. É fundamental que ele tenha consciência das suas próprias influências e pressupostos, reconhecendo que a sua perspectiva é moldada pelo contexto social, político e cultural em que está inserido. Além disso, o historiador deve ser capaz de interagir com diferentes audiências, contribuindo para a constituição de uma memória coletiva que considere diversas perspectivas e vivências. Essa postura proativa é crucial para assegurar que a história não se limite a uma construção acadêmica, mas se torne um componente essencial do debate público. A presença do historiador no seu tempo traz uma série de efeitos. A investigação sobre o presente pode gerar reações na sociedade, seja por meio da contestação de narrativas dominantes, seja incentivando discussões sobre questões pertinentes. Isso pode originar um aumento do engajamento cívico e numa maior conscientização sobre problemas sociais. É necessário cautela para não se transformar num defensor da sua própria perspectiva, o que poderia comprometer a sua imparcialidade e objetividade. Nesse sentido, a distância temporal é um fator crucial oferecendo um olhar crítico que favorece uma análise mais justa. O historiador contemporâneo deve encontrar um equilíbrio entre a necessidade urgente de entender o presente e a importância de um afastamento reflexivo que permita uma análise fundamentada e crítica. Essa postura é essencial para assegurar que a sua pesquisa não se limite apenas a registrar o atual, mas também enriqueça a compreensão dos desafios que enfrentamos atualmente.
Apresento o escritor Pierre Nora e seus aportes para a história contemporânea. Nascido em Paris em 17 de novembro de 1931, é um historiador francês pertencente à terceira geração da Escola dos Annales, ligado ao segmento conhecido como “Nova História”. É famoso por suas pesquisas sobre a memória e o trabalho do historiador. Na sua avaliação da história e da modernidade, Nora aborda a complexa conexão entre os meios de comunicação em massa e a criação de eventos na sociedade contemporânea. A sua análise se concentra na maneira como esses meios influenciam a percepção do que é classificado como um “evento” e, consequentemente, influenciam a formação da memória coletiva.
Segundo P. Nora,
E fazer entender que o momento incerto e inseguro que vivemos, ao menos desde meados dos anos de 1970, possui continuidades e suspensões carregadas em história e memória que precisam ser afrontadas pela História. Como demonstração dessa sua preocupação, Pierre Nora apresenta, dentre outras, duas situações concretas que demandam e induzem ao labor os historiadores. Primeira: a multiplicação das comemorações. Segunda: o aumento da longevidade das pessoas (1986, p. 47).
Nora defende que, na era contemporânea, há uma “tirania” dos acontecimentos, em que a busca constante por novidades e informações resulta num ciclo interminável de produção e consumo de notícias. Neste cenário, os meios de comunicação de massa não se limitam a relatar os acontecimentos, mas também têm um papel ativo na formação e escolha do que é relevante ou significativo. Isso indica que o considerado um “fato” na sociedade não é apenas definido pela sua relevância inerente, mas também pela maneira como é mediado e exposto pelos meios de comunicação. A história passa a ser percebida não como um conjunto de eventos significativos, mas como uma sequência de informações fragmentadas e efêmeras, onde a superficialidade pode prevalecer sobre a profundidade analítica. A memória coletiva é formada pelos meios de comunicação, que determinam quais acontecimentos devem ser recordados e quais devem ser esquecidos. Isso pode levar a uma interpretação equivocada do passado, onde eventos significativos podem ser ofuscados por eventos mais sensacionalistas ou recentes.
A contínua procura por novidades e a rápida desatualização das informações provocam um desconforto na sociedade, onde o presente é constantemente desafiado por um fluxo incessante de novidades que impede uma reflexão aprofundada. Os meios de comunicação de massa possuem a capacidade de intensificar certos eventos, tornando-os mais evidentes e significativos, enquanto outros permanecem ocultos. Isso pode gerar uma visão distorcida da realidade social, na qual as prioridades e interesses da sociedade são definidos pela cobertura da mídia.
Em resumo, a crítica de Nora destaca que, na era moderna, a conexão entre os meios de comunicação de massa e a criação de fatos altera a compreensão da história e da memória, fomentando uma cultura de imediatismo e superficialidade que desafia a habilidade, dos historiadores e da sociedade, de entender e ponderar sobre o passado e o presente de forma relevante.
A trajetória apresentada por RODRIGUES e BORGES em relação aos estudos de História do tempo presente,
Atuando na terceira margem do tempo (Rodrigues, Borges, 2021), historiadores e historiadoras têm formulado para apresentar e defender a história do tempo presente como área de estudo consolidada no campo historiográfico.
Os historiadores têm a responsabilidade de investigar e representar de maneira crítica e reflexiva os eventos passados, levando em conta as diversas narrativas e experiências dos diferentes grupos sociais. A verdade histórica não é um dado absoluto, mas construções que emergem das múltiplas perspectivas. Isso implica que os historiadores devem ser conscientes de suas próprias interpretações e dos contextos sociais e políticos que influenciam a produção do conhecimento histórico.
A História Pública, por sua vez, enfatiza a importância do diálogo entre historiadores e a sociedade, promovendo a inclusão de vozes muitas vezes marginalizadas. Nesse sentido, os historiadores devem atuar como mediadores que possibilitam a expressão de memórias coletivas, respeitando a pluralidade das experiências e as diferentes formas de construção da memória social. Essa responsabilidade envolve também uma ética de escuta e de valorização das narrativas dos sujeitos sociais, reconhecendo a legitimidade das suas experiências e memórias. Além disso, ao lidarem com a História do Tempo Presente, os historiadores precisam ser particularmente cautelosos, já que os eventos recentes continuam impregnados de significados e interpretações diversas. A responsabilidade ética se torna ainda mais evidente, uma vez que a memória e a verdade estão em constante disputa, especialmente em contextos de trauma, violência e desigualdade.
Nesse sentido, a responsabilidade do historiador se estende para além da busca pela verdade objetiva, envolvendo um compromisso com a memória dos sujeitos sociais. Isso requer uma abordagem crítica, inclusiva e ética, que reconheça a complexidade das narrativas históricas e a necessidade de um diálogo contínuo com as diversas vozes da sociedade.
De maneira geral, apresento Hannah Arendt, uma escritora altamente consciente e crítica dos acontecimentos no campo trabalhista e social. Em suas obras, particularmente em “As Origens do Totalitarismo”, examina como o totalitarismo se forma e se expressa em variados aspectos da sociedade. Ela argumenta que o totalitarismo busca desmantelar o Estado de Direito, substituindo as leis por um sistema de regras arbitrárias que fazem parte de uma ideologia totalitária. Nesse sistema, as leis são moldadas para servir aos interesses do regime, e a justiça é subordinada ao poder totalitário. A legalidade é transformada em ilegalidade, as normas que regem a vida social são distorcidas para legitimar a opressão. O terror é uma ferramenta central do totalitarismo.
Arendt destaca que regimes totalitários utilizam o medo como um meio para controlar a população. O terror não é apenas uma resposta a comportamentos desviantes da História do Tempo Presente no Brasil e destaca a complexidade das relações entre historiadores, verdade e memória dos sujeitos sociais, mas uma forma de garantir a conformidade e a lealdade dos cidadãos. A polícia secreta e as instituições repressivas são fundamentais para criar um clima de medo, onde os indivíduos se sentem constantemente vigiados e ameaçados.
Segundo Hannah Arendt:
Ninguém que se tenha dedicado a pensar a história e a política pode permanecer alheio ao enorme papel que a violência sempre desempenhou nos negócios humanos, e, à primeira vista, é surpreendente que a violência tenha sido raramente escolhida como objeto de consideração especial (ARENDT, 2009: 16).
Segundo Arendt, isso evidencia o quanto a violência e a sua arbitrariedade foram percebidas como habituais e, consequentemente, desconsideradas. O desfecho foi que procurou algum significado nos registros históricos e foi forçado a enxergar a violência como um fenômeno marginal (ARENDT, 2009: 16). Ela continua ressaltando que os regimes totalitários, a educação e o trabalho são utilizados como instrumentos de doutrinação. O sistema educacional e trabalhista é organizado para promover a ideologia governamental, suprimindo o pensamento crítico e a diversidade de ideias. A educação deixa de ser uma ferramenta de desenvolvimento pessoal para se transformar em um meio de controle social, onde a lealdade ao Estado e à ideologia se sobrepõe ao desenvolvimento pessoal dos cidadãos. A ideologia totalitária é uma realidade usada para justificar a dominação e a opressão, promovendo uma visão de que os fins (a construção de uma sociedade ideal) justificam os meios (a violência e a repressão). Essa ideologia é muitas vezes imposta de forma dogmática, não tolerando questionamentos ou críticas. Arendt também enfatiza que o totalitarismo busca isolar os indivíduos uns dos outros, minando as relações sociais e a solidariedade. O regime promove a desconfiança entre os cidadãos, incentivando a delação e a vigilância mútua. Esse isolamento enfraquece as comunidades e torna mais difícil a organização de resistências. Os indivíduos se tornam mais vulneráveis e dependentes do Estado, que se apresenta como a única fonte de segurança.
Assim, de acordo com Arendt, o totalitarismo se estabelece por uma série de práticas e instituições que se relacionam, estabelecendo um ambiente opressivo que domina a vida das pessoas em diversas esferas, desde a legislação no trabalho até a educação e as interações sociais.
Conclusão:
Vários escritores debatem a “História do Tempo Presente”, oferecendo perspectivas únicas de como o presente é moldado por eventos históricos e sociais. Chauveau e Tétart discutem a importância de entender o contexto atual à luz de suas raízes históricas, enfatizando a conexão entre o passado e o presente. Pierre Nora destaca a memória coletiva e os lugares de lembrança, destacando como as narrativas passadas influenciam a identidade atual.
Rodrigues e Borges examinam as dinâmicas sociais e políticas que definem a situação atual, sugerindo que uma análise crítica do contexto atual é fundamental para compreender os obstáculos presentes. Em contrapartida, Hannah Arendt oferece uma visão da condição humana, focando na ação e na responsabilidade atualmente. Isso demanda uma reflexão sobre o passado para aprimorar nossa visão de uma vida profissional positiva no presente.
Referências:
ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. NORA, P; LE GOFF, J. Faire L’histoire. Gallimmard, Paris, 1986.
RODRIGUES, Rogério Rosa; BORGES, Viviane Trindad`e (org.). História pública e história do tempo presente. São Paulo: Letra e Voz, 2021.
TÉTART, Philippe. Pequena história dos historiadores. Bauru–SP: EDUSC, 2000.

Adriano Nicolau da Silva, Psicoterapeuta, Neuropsicopedagogo e Neuroeducador. Graduado em Psicologia e Filosofia. Especialista nas áreas de educação e clínica. Uberaba, MG. Colunista do Factótum Cultural. E-mail: adrins@terra.com.br.
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