por Illyana Magalhães

É muito bonito olharmos para nós mesmos com amor, respeito e, sobretudo, admiração. Afinal, o que seríamos se não a soma de tudo o que aconteceu conosco, por mais miseráveis que as experiências possam ter sido?
Oi, meu nome é Illyana, e eventualmente escrevo para este site (quando tenho tempo, claro). Escrevo sentada em minha sala, olhando para a London Eye (um dos pontos turísticos mais icônicos de Londres), tomando meu café e comendo o bolo de fubá que fiz ontem à tarde enquanto trabalhava em home office. Olhando em retrospecto, jamais imaginaria viver o que hoje vivo, principalmente em termos de qualidade de vida e saúde emocional. Aqui, compartilho minha história para que você tenha uma ideia do que ocorreu em minha existência.
Lembro-me de ter lido um livro de Stephen King no qual o autor descreveu sua memória de infância como uma névoa, e naquele momento percebi que nossas névoas talvez se identificassem. Recordo-me do que aconteceu comigo na infância, mas acredito que grande parte dessas memórias está em uma verdadeira caixa de Pandora para que isso não me amedronte ou desfaça o pouco de alegria que encontrei nos lugares onde vivi quando era pequena (nosso cérebro é mais inteligente do que parece).
O que me recordo envolve agressões, torturas e tentativas de homicídio das piores formas possíveis, perpetradas pela minha mãe e meu padrasto. Também me recordo do hospital onde fiquei por um bom tempo para me recuperar e do orfanato no qual vivi. Isso é apenas um resumo do resumo do que vivi. Quero alertar que não digo isso para me fazer de coitada ou vender um discurso de que você precisa ser positivo e otimista o tempo todo (acredite, nem eu sou). Escrevo porque quem sou hoje é um reflexo de tudo o que vivi, sejam as experiências boas ou ruins. Consegui extrair muita coisa boa de tudo isso, embora a parte negra eventualmente me assombre.
Atualmente, raramente algo me assusta ou amedronta, pois já fui treinada para isso desde pequena. Aqui escrevo e resido bem em um emprego que jamais imaginaria ter, porque obviamente não fui engolida por sentimentos como medo, receio ou timidez. Simplesmente coloquei a cara no mundo e fui, literalmente sozinha. No começo, eu ficava com medo, até que, com o tempo, fui aprendendo a me desamarrar, a sair de onde estava, o famoso “resolver problemas” tão bem-quisto nos dias de hoje.
Lembro-me de que comecei a analisar a altura de meu padrasto e o tempo que levaria para ele abrir a porta para eu poder sair correndo e buscar ajuda na casa mais próxima. Fiz isso com êxito, mas fui pega em seguida, pois alegaram que minha avó havia me machucado e não eles (eu quase perdi a vida nesse dia). Aprendi a calcular alturas quando meu padrasto escondeu o número de minha avó no local mais alto da casa, afirmando que apenas ela poderia me salvar (eu meço 1,59 m). Não sabia ele que, apesar da minha altura, essas experiências me tornaram a maior pessoa do universo, pois eu me sentia pronta para enfrentar o que viesse. Talvez seja por isso que algo raramente me abale ou amedronte. Raramente.
Lembro-me de minha “mãe” me amarrar em uma cadeira e me colocar atrás do guarda-roupa (onde era escuro), onde eu ficava por dias. Isso quando ela não me colocava dentro do armário (o que era pior para uma criança). Sem comparar trajetórias, acredito que você possa extrair a essência mais pura e forte que há dentro de si, assim como eu. Somos seres viventes fruto de nossas experiências, miseráveis ou não. Por isso, viva!
Como diria Lou Salomé (o nome de minha cachorrinha, aliás):
“Nenhuma felicidade resta a me dar, – Bem – dai-me o teu sofrimento”. E viver pode doer pra cacete! E está aí a graça da vida… Que saibamos viver bem no caos, tal qual elucida o autor Nassim Taleb. Olhe para si mesmo com amor, respeito e, sobretudo, admiração! Isso faz de você o ser humano mais incrível deste planeta :)
Como diria Sartre: “Não importa o que fizeram contigo, importa sim o que você faz com o que fizeram de ti“.

Illyana Magalhães é advogada, aspirante a filósofa e escritora. Brasileira residente em Londres. Colunista do Factótum Cultural.
Os artigos publicados, por colunistas e articulistas, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Factótum Cultural.





