por Gisele de Souza Gonçalves

Eu ainda penso sobre e me entristeço quando relembro a pandemia. Ao chegar com as compras em casa, lembro que as lavei muitas vezes com um grande medo de que o vírus entrasse junto com elas. Quando vou à UBS e aguardo uma dose de vacina na fila, eu lembro de quando tomei a primeira dose da Astrazeneca e chorei porque tantos que eu conheci não puderam recebê-la. Quando vou ao cemitério, vejo as fotos de quem se foi e suas datas de partida tão próximas naquele ano de 2021.
Quando vejo fotos dos meus alunos e alunas no retorno das aulas presenciais e seus rostos parcialmente cobertos por máscaras me dá um aperto no peito. E penso: estamos aqui, diferente de muitos. E vem um misto de alegria por sobrevivermos, e logo uma saudade que não acaba de quem se foi.
Às vezes, vejo alguém que não via há muito tempo desde antes da quarentena, penso e digo “que bom te ver”, porque sem notícias, sem redes sociais, eu nunca sei se aquela pessoa que há muito tempo estudamos, moramos perto ou trabalhamos juntas sobreviveu à pandemia. E então ela me conta sobre quem ela perdeu com o passar do tempo e tem sempre alguém que se foi entre 2020 e 2022 num hospital depois de lutar contra o vírus.
Eu ainda busco as palavras para acolher, eu nem percebo, mas de repente eu também começo a falar sobre meu luto, então surge uma espécie de desabafo recíproco.
Alivia, mas não passa. O sentimento adormece e deixa a gente cuidar das outras coisas da vida. Num dia não tão bom, ele volta e diz “entristeça um pouco mais, depois você melhora”.
Eu melhoro sim, volto a sorrir, a ler, a chorar, a fazer o que costumo fazer e a vida segue. Como tantos de nós têm feito, como reaprendemos a seguir depois daquele período que por alguns momentos nem parece que passamos.
E eu pensava que o mundo melhoraria depois de tudo isso, me disseram por um áudio naqueles dias de quarentena: “como você é ingênua”. Eu me assustei, mas depois percebi que era ingenuidade mesmo.
Quem quis ser melhor foi, mas o mundo é muito para querer. O fascismo vai sendo alimentado, o ódio disseminado, a ignorância aclamada… Mas têm sim umas pessoas que insistem em resistir, por elas eu tenho admiração porque entre lutos e lutas, resistem.
E por conta delas o mundo pode ser um pouquinho melhor. Foram elas com suas palavras, ações, arte, denúncia e sensibilidade que motivaram os dias difíceis pelos quais passamos naqueles anos.
Também não esqueço da boa música de Humberto Gessinger que em distanciamento social fazia seus acordes e novas letras que acalentavam; da interpretação de Marcelo Laham que fazia críticas à gestão da época de maneira irônica incorporando o personagem que representava o vírus e, também, de sua atuação interpretando um personagem em quarentena que compartilhava sua rotina e suas angústias, as quais era muito provável nos identificarmos. Inesquecível ainda a sensibilidade do fotógrafo de rua Maneco Magnésio, ele trazia por meio das redes sociais a realidade de quem não teve o privilégio de estar em distanciamento social e suas lentes registraram (e ainda registram) a desigualdade e a simplicidade de cenas cotidianas cheias de realidade e beleza.
Não posso deixar de citar a tão necessária leitura que me acompanhou, especialmente da escrita de Conceição Evaristo, a quem tenho enorme apreço. Lembro também do grupo que me acolheu em tardes de sábado remotamente: Leia Mulheres. Os encontros de leitura remota, organizados pela professora Gisele Schnnor, da Unespar – União da Vitória, me fizeram conhecer mulheres maravilhosas e juntas compartilhamos saberes, leituras e vivências que nos fortaleceram.
Foi também naquele período de distanciamento que encontrei essa revista que me convidou a seguir publicando minha escrita. E posso dizer que, naqueles tempos de incertezas diárias, a certeza que tive é que não estava sozinha, reconheci verdadeiros amigos e amigas, apreciei a companhia dos meus pares aquarentados e trago comigo aquelas vivências de afeto à distância.
Aquilo foi triste, sabemos. E foram naqueles dias tão difíceis que descobri sentimentos tão bons por pessoas e momentos vividos, foram elas e eles que me fizeram seguir.
Eu ainda lembro daqueles dias, daquela angústia, das máscaras no queixo, da negação, da “gripezinha” e do descaso, do deboche, de quem imitou alguém sem ar, do “eu não sou coveiro”, da demora da vacina…
Neste mês, completam três anos sem duas pessoas que eu amava e que se foram na pandemia. Provavelmente você também lembrará de alguém.
E lembrará ainda de quem, em meio ao caos, trouxe afeto, trouxe flores, trouxe um bolo, trouxe um carinho à distância, eu lembro do “e aí, tá tudo bem?”, eu lembro de coisas simples e que fizeram a diferença: resistir.
Estamos aqui e seguimos, resistimos, vivemos…
Sigamos sempre!

Gisele Souza Gonçalves. Professora e Doutora pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Mãe. Colunista do Factótum Cultural.
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