por Iara Aparecida Dams

A água subia devagar, centímetros virando metros, o refresco para o calor gerando medo, a bênção tornando-se tormenta.
Ano após ano vemos a natureza tomar conta do que lhe pertence, faz se imponente, dona de tudo. Vem com uma força que desconhecemos, cai chuva, sobe rio, desmorona morro, fecham-se os caminhos, as pessoas fogem. Água, bem essencial à vida, veio como fonte de lamento e choro, de rezas e desespero.
Aqui em União da Vitória e Porto União, onde fiz morada, existe uma lenda de que uma serpente teria crescido em uma das grutas do Morro da Cruz e que o caminho levava direto ao rio. Dizem até hoje que a cobra, gigante, dorme nas águas do Rio Iguaçu e que quando acordar, trará consigo uma enchente tão grande, capaz de fazer sumir as cidades do Vale.
Hoje, 14 de outubro de 2023, a serpente mostra sinais de vida, e minha cidade busca sol e trégua da chuva. O Rio Iguaçu eleva seu nível com tamanha rapidez que afugenta a todos, trazendo medo e agonia para os nossos corações.
Sabe-se que o fenômeno que ocasiona estes desequilíbrios no tempo chama-se El Niño, o qual mostra mais uma vez que de criança não tem nada, cresceu e quer deixar sua marca, alimentando a serpente que engole as cidades de seu entorno. Enquanto o Norte arde e queima pela seca, o Sul está com a água até o pescoço, implorando por uma cama seca.
O mundo “virado de cabeça para baixo”.
Vemos constantemente as notícias em alerta, as pessoas com avisos, todos clamando em gritos e em silêncio o mesmo eco: ” socorro”. O rumo que a humanidade tomou não tem retorno, é uma via de mão única. E estamos acima do limite de velocidade, acelerando cada vez mais, sem dar importância ao que está escondido na próxima curva.
E o “a mais isso nunca vai acontecer aqui” está acontecendo de uma forma tão feroz que ninguém consegue absorver e processar. A água bate à porta e a rota de fuga já desmoronou enquanto buscávamos o ângulo perfeito para a foto das chuvas de maio.
E quem mora longe sente a dor de seu familiar e conhecido que precisa, sem tempo, recolher o que puder e sair. Sair da sua casa, buscar abrigo em desespero, rezar para que Deus esteja olhando e que direcione uma pessoa boa para amparar.
Enquanto a água cai, fazendo uma sinfonia no telhado de mais de 300 municípios da região Sul, vejo os corações bons despertarem e a fé na humanidade ser restabelecida. As pessoas colocando-se à disposição para ajudar, proteger, doar, salvar o outro que nem conhecem. Seres de um brilho tão intenso que abrem as portas de suas casas, acolhem, dividem a roupa, o pão, o teto sem olhar a quem o fazem. Apenas fazem.
O desespero é tamanho que o choro vem involuntário, pelas pessoas que você não conhece mais simpatiza, pelos animais que sofrem sem entender, pelos sonhos construídos que encharcam e desabam. Não são meus sonhos, mas estão debaixo do mesmo céu que eu, ouvindo soar do mesmo trovão, e tremendo pelo brilho do mesmo raio.
E Deus? Deus é conforto, é promessa de amparo, é escuta atenta que tem sido chamada minuto a minuto. Deus é Corrente de fé, no pedido incessante de que a serpente durma outra vez, o Rio Iguaçu volte a calmaria e que o El Niño repouse novamente em embalos tranquilos.
Referência:
El Niño em 2023: Impactos globais do fenômeno climático. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/www.climatempo.com.br/noticia/amp/v2/2023/10/11/el-nino-em-2023-impactos-globais-do-fenomeno-climatico-2548
Defesa Civil de Santa Catarina. Disponível em: https://www.defesacivil.sc. gov.br/noticia-destaque/santa-catarina-tem-142-municipios-afetados-pelas-chuvas-e-112-em-situacao-de-emergencia
G1 Paraná. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/googl e/amp/pr/parana/noticia/2023/10/14/numero-de-pessoas-afetadas-chuvas-parana.ghtml

Iara Aparecida Dams, Professora do ensino fundamental I no Colégio Santos Anjos – PU. Graduada em Letras: Português/Espanhol (UNESPAR). Pós-graduada em Alfabetização, Letramento e Literatura Infantil (UNINA). Cursando Pedagogia (UNIASSELVI). Poetisa e escritora. Colunista do Factótum Cultural.
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