por Adriano Nicolau da Silva

Enfim, chegaram as desejadas férias, após trabalhar um ano, compulsivamente, isolado no seu setor, para alcançar os resultados da produção na empresa. José recebeu, há três anos, um convite para passar as férias na chácara do seu único amigo para repor as energias e aproveitar o tempo livre e ler filosofia, o seu passatempo preferido, especificamente Arthur Schopenhauer.
Foi o sobressalto, resultado de um estrondo no céu, que despertou José e o fez olhar entre as frestas da porta de tramela, na minúscula casa de campo do seu amigo.
Conseguiu ver, em meio aos frágeis raios da manhã, entre as árvores e os frutos avermelhados do pé de café, as galinhas descendo dos poleiros, procurando os insetos que despertavam na manhã melancólica, com relampejar, vendaval e chuva torrencial. Que pessimismo é esse, pensou José, ouvindo os barulhos dos trovões. Ficou na dúvida entre voltar para a cama ou pensar nas teorias de Arthur Schopenhauer.
Um estranhamento físico e mental sentiu José, um processo metafísico universal e um esforço transcendental para sentir “vontade” de fazer algo, afinal, o amigo emprestou a sua singela casa de campo ara estudar esse renomado filósofo. Arthur Schopenhauer nasceu em Dantzig, na Polônia, no dia 22 de fevereiro de 1788 e faleceu no dia 21 de setembro de 1860, filho de um bem-sucedido negociante e de uma escritora popular.
Um céu afugentado, triste e o barulho da goteira numa lata velha com a rosa desbotada e envergonhada com o olhar de José que mesmo sem muita vontade, ascendeu fogo para fazer café no bule de esmalte verde, com os gravetos que ali já estavam no fogão à lenha, pois ainda não tinha a claridade do sol, e a chuva caía vagarosamente molhando os gravetos que estavam de fora da casa. Bateu-lhe uma tristeza imensa e saudade do seu canto isolado do trabalho, olhando a paisagem sem brilho e os pombos debaixo das telhas romanas, com emadeiramento encardido de fumaça que saía do fogão. O canto dos pombos parecia um ritual fúnebre, entristecendo a representação mental realista e pessimista que José desenvolvia com a sua percepção. Paradoxalmente, o objetivo do repouso de José, envolvido com a filosofia, nesse retiro, era a felicidade e não sentir a dor pelo sofrimento que vem passando durante anos. No esforço de enxergar a coisa em si, não consegue entender o absoluto de tudo que existe neste pequeno espaço cercado de árvores, pássaros, insetos e a música clássica de Mozart na vitrola antiga. Lembranças surgem dos momentos em que desejou as férias, principalmente em situações de estresse.
José quer viver neste pequeno espaço geográfico, atemporal a realidade concreta, mesmo diante de vários sentimentos persecutórios e não entendendo a essência dos fenômenos organizados pela experiência e razão, através das categorias e conceitos visto por Kant em leituras anteriores.
Entendeu que Arthur Schopenhauer percebia a vida de forma pessimista, com uma eterna busca inútil da “vontade” que não se satisfaz, alegava que a felicidade é efêmera e o sofrimento é uma condição inerente ao homem. Para Schopenhauer, a “vontade” é a força motriz do universo, a essência de todas as coisas e se manifesta nas formas de vida. A “vontade” não é racional nem consciente, mas sim uma força que busca, incessantemente, a sua própria satisfação e, em contrapartida, provoca no homem o sofrimento por não conseguir se satisfazer e a arte, a estética e a contemplação do belo são alternativas para escapar temporariamente do sofrimento. O sol já está alto e a vida na chácara está pulsando o mais rápido possível, com cantos de várias espécies de pássaros, as flores coloridas e o perfume do néctar se exala inebriando os presentes. José está pensando em fazer o seu almoço e compulsivamente lendo Arthur
Schopenhauer e o sentimento de pertencimento surge como um fenômeno universal e grandioso, ligando tudo a todos e criando a representação da realidade como uma grande pintura, inebriando os sentidos e se retirando da “vontade” atrelada pelo tempo e espaço.
Indeciso em relação ao que fazer no almoço e no começo da tarde está se posicionando diante desse pequeno lugarejo, sentindo o prazer imenso com a sua companhia a partir do momento em que passou a categorizar os objetos à sua volta, dando a eles utilidade para facilitar as suas experiências mentais. José decidiu, a partir de hoje, nas férias, representar as suas experiências, de maneira inesquecível, potencializando o valor da “vontade” de tudo, como a formiga carregando o alimento para o seu ninho, o pé de caju servindo de sombra para gato que se espreguiça à espera da sua caça.
A sua preocupação é o tédio, frente a compulsão da “vontade”, que não termina quando satisfaz um desejo e automaticamente se inicia outro, minando a sua felicidade.
A partir de um insight mental, fez desse momento de solidão, neste simples lugar, uma obra de arte e passou a ouvir músicas clássicas e contemplar a natureza, com tranquilidade, transcendendo a própria dor existencial e unindo-se à energia cósmica. O sentimento de vivenciar a arte e conectar-se à natureza, permite-lhe o desligamento do cotidiano estressante que o persegue durante muito tempo.
José, ao perceber um pássaro alimentando um filhote com uma pelota de alimento, sentiu uma compaixão universal que não sentia há muitos anos, trabalhando em uma realidade ambiciosa. Existe, no seu mundo, a simplicidade e o contato instantâneo com a natureza interrompe a “vontade” que provoca a escravidão, libertando-o do sofrimento existencial. Entendeu que, o amor à vida e a compreensão do outro, quando não consegue administrar a ambição, a individualidade se perde diante da “vontade” que rege o mundo. Nas férias, mesmo diante de um vendaval, num lugar simples, a preocupação dá uma trégua, permitindo contemplar o belo e administrando a necessidade dos constantes desejos. Portanto, independentemente da falta de livre arbítrio, segundo Arthur Schopenhauer, a liberdade para ter “vontade” deixou José esperançoso em relação ao futuro de perspectivas no trabalho, na vida familiar e na vida social.
E você, contempla a natureza, a música e a arte?
“Sentimos a dor, mas não a sua ausência”.
Arthur Schopenhauer
Referências:
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 1986.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação: Trad. M. F. Sá Correia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.

Adriano Nicolau da Silva, Psicoterapeuta, Neuropsicopedagogo e Neuroeducador. Graduado em Psicologia e Filosofia. Especialista nas áreas de educação e clínica. Uberaba, MG. E-mail: adrins@terra.com.br. Colunista do Factótum Cultural.
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