por Iara Aparecida Dams

Tomei conhecimento a certo tempo de uma tribo indígena amazonense chamada Amondawa, na qual não existe nenhum conceito de futuro. Esse é um dos povos indígenas da América Latina que não desenvolveu uma linguagem para se referir ao futuro, não pela falta de capacidade mas por essência.
A essência do ser é viver intensamente.
Os povos compreendem a passagem do tempo como circular, não linear, pois vivem pela natureza, a qual está sempre se refazendo. Para eles, de um modo amplo, o hoje não precisa ser nada além do que é. Ou seja, não vive-se o inverno pela ansiedade de rever o calor veraneio, mas reconhecendo o frio e o morrer da natureza como essenciais para a vida que renascerá.
São conceitos tão sublimes onde não existem palavras com ideias ou conjugadas no futuro, como nomear algo que ainda não fora experienciado?
Eu já estou quase mudando para uma aldeia dessas.
Quando li sobre este modo de vida senti uma necessidade cármica de compartilhá-lo com o Universo e expor para a sociedade que é sim possível viver sem a ansiedade de um futuro tão certo quanto a morte.
Uma morte que não marca hora e raramente dá recados de aviso.
Acho extremamente irritante o modo como somos direcionados pela sociedade viver as nossas próprias vidas, como esperam constantemente que sejamos gentis com os grosseiros, alegres em dias tristes, metódicos em meio ao caos, compreensivas com os planos frustrados, gratos com as infelicidades, tudo isso com uma ansiedade pelo futuro que vem passando tão rápido e logo chegará.
Pede-se para ser profissional, separar a vida em gavetas. Você lembra das gavetas (1) cheias de problemas onde perdemos nossos dias?
A cada fouetté (2) que a Terra dá majestosamente, eu coloco-me indignada pela forma com a qual nós regemos os nossos dias, em uma dependência constante de nos encaixamos em um ideal de vida que acaba não sendo representado por ninguém. Sufocamos com termos e ideias de futuro, vivendo com queixas do frio do inverno enquanto estamos cercados pelas belas margaridas da primavera.
Somos devorados pela ansiedade daquilo que não experimentamos ainda. Afinal, se não podemos entrar duas vezes no mesmo rio (3), quem dirá viver dois dias exatamente iguais.
E enquanto isso nós morremos lentamente.
E, agora mais como um desabafo, afinal o escritor é egoísta pois ao escrever colocamos tudo que nos sufoca esperando que toque aquele que lê. Eu já sofri demais o futuro, acredito que para viver sem tal conceito somente se tivesse nascido entre os indígenas e nunca o conhecesse.
Todavia já vivi o luto por quem amo e ainda não se foi, a frustração da derrota que nunca veio, a mágoa pelo erro não cometido, a solidão e a saudade estando bem acompanhada.
No fim, é triste e mórbido, mas o que fazemos é viver colhendo os frutos que não nasceram ainda.
Notas
(1) Assunto tratado no artigo “Aprenda a viver o agora” de minha autoria disponível na revista Factotum Cultural.
(2) Tipo de giro no ballet.
(3) Frase dita pelo filósofo grego Heráclito de Éfeso.
Referência:
BEZERRA, Juliana. Heráclito. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/heraclito/. Acesso em: 11 jun. 2023
PALMER, Jason. Estudo identifica tribo amazônica que ‘não conhece conceito de tempo’. BBC News. Disponível em : https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/05/110521_triboamazonia_tempo_pai Acesso em: 11 jun. 2023

Iara Aparecida Dams, Professora do ensino fundamental I no Colégio Santos Anjos – PU. Graduada em Letras: Português/Espanhol (UNESPAR). Pós-graduada em Alfabetização, Letramento e Literatura Infantil (UNINA). Cursando Pedagogia (UNIASSELVI). Poetisa e escritora. Colunista do Factótum Cultural.
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