por Pâmela Bueno Costa

Ele bradou na aldeia
Bradou na cachoeira em noite de luar
No alto da pedreira
Vem fazer justiça, pra me ajudar
…[1]
Àgò, meu pai Xangô!
No alto da pedreira, xangô escreveu seu nome
Há dias em que as tempestades arrebatam, os ventos sopram fortes e mudam a direção. Assim, nas ventarolas que brotam e nos rodopiam, nos vemos perdidos, não sabendo mais em que direção ori-entar-se.
Os trovões ecoam! Nas novas travessias, nosso pisar sempre deve ser leve e firme. A sensação de incerteza na mudança, num primeiro momento, assusta. Dias assim nos ensinam que a experiência sempre traz um aprendizado. Somos aprendizes neste mundo, as veredas nem sempre são amenas, elas são cheias de encruzilhadas e vendavais. Movimentar-se é preciso, e as tempestades são importantes para adubarmos nosso caminho. É preciso arar a terra. É preciso caminhar nosso caminho, plantar e regar com amor nossos sonhos, pois, somos os únicos responsáveis por eles nesta terra.[2]
Com as nossas cismas e representando nossos sonhos, em passos miudinhos, pisando devagar sobre essa terra, Xangô nos ensina que olhar para o chão e para as pedreiras é fundamental, pois, por mais sólidas e firmes que sejam, sempre se transformam, sofrem as ações do tempo. Ele é o orixá que guia a direção certa, o caminho mais sábio e justo. Nos faz fortes e destemidos, somos maior, nos basta só sonhar, seguir[3].
Veja que pedreira linda é a morada do meu pai Xangô
Alumiando com seus trovões e sua machada, Xangô alumia nosso caminhar – estar no mundo, vencedor de demandas, é o orixá guerreiro que rege as intempéries, segundo Vicente Parizi, no livro dos Orixás, é o rei da pedreira, do trovão, do fogo, da verdade e da justiça. Desse modo, é quem mostra o equilíbrio das relações, buscando ordem na desordem. Na tradição (oral) dos mitos iorubás, narra-se a existência de Xangôs, contam que um veio para o mundo com o primeiro conjunto de Irunmoles; o segundo como homem e depois se tornou rei na cidade de Oyó – o quarto Aláàfin Ọ̀yọ́. “Onde ensinou sobre justiça, vitória, defesa, força, coragem e autoestima” (2020, p. 104).
Xangô representa a coragem! O correr da vida embrulha tudo, não é mesmo? Trazemos, para a roda, as aprendizagens de Riobaldo – “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta” (2019, p.273). O que a vida quer da gente é coragem!
Xangô meu rei
Sua coroa que reluz no infinito
O seu oxé é o símbolo divino
Sàngó (em iorubá) éo senhor do fogo sendo um ancestral deificado. No livro dos Orixás também encontramos relatos míticos, como sendo filho de Oraniyan, filho de Oduduwa, o grande guerreiro e patriarca do povo iorubá. Outras narrativas mostram Xangô, filho de Iemanjá, rainha das águas.
sonhar é preciso,
andarilhar é preciso!
Um dos itans deXangô conta que ele foi um rei muito poderoso, muito viril e de grande beleza, teve diversas esposas, dentre elas: Iansã, Obá e Oxum. Um dia, pensando em uma nova magia para derrotar seus inimigos, dedicou-se a um experimento. Quando finalmente conseguiu, subiu em uma colina e lançou, era seu raio, seu trovão. Porém, foi tão forte e inigualável que caiu sobre seu reinado. Incendiou a cidade e matou grande parte de seus súditos. Fugindo para exílio, devastado por sua ação, a dor não deu trégua. E, a partir disso, tomado pela tristeza bateu seus pés no chão, desaparecendo terra adentro. Assentando seu axé na terra, torna-se orixá. Força potente da natureza. “Do direito ao chão para o direito ao encanto” (2022, p. 20).
Esse lampejo nos ensina que todas nossas ações trazem consequências, precisamos ter discernimento em cada uma delas, o caminho não se faz sozinho, por isso, é uma sabedoria ancestral comunitária – muitas gentes nos constituem, e são afetadas por nossas escolhas. Seu axé nos inspira a viver com responsabilidade, amor e respeito à comunidade.
No percurso de compreendermos as nossas demandas, devemos pensar em cada escolha com sabedoria e justiça. Na história da filosofia ocidental, podemos encontrar muitos filósofos e filósofas refletindo sobre o conceito de justiça. Podemos compreender, de antemão, por duas vias: a) como conformidade da conduta e da norma; b) como eficiência de uma norma (ou de um sistema de normas). Recorrendo às vozes da filosofia grega da antiguidade, encontramos Aristóteles afirmando que a justiça é a virtude integral e perfeita, o que a filosofia socrático-platônica também já havia afirmado. Mas por que é uma virtude integral? O estagirita afirma que é integral, pois compreende todas as outras, e, dessa forma, perfeita porque não pertence somente a si mesmo, mas também aos outros.
Em síntese, podemos encontrar muitas teorias sobre o conceito de justiça, porém, é com Xangô que aprendemos o equilíbrio necessário para escolher entre duas proposições, por isso seu símbolo é o oxê – machado com dois lados e corte duplo. O oxê, na visão africana, é a balança da Justiça, representando o certo e o errado.
A essência das vivências, da nossa vicissitude é deixar fluir o fruir do movimento e da mudança. Sem pressa, contemplar o processo, sem querer ter certeza no fluxo do devir, pois é atentar contra a lógica natural das coisas. Aprender a deixar-se levar pela mudança e pelo movimento é aceitar viver com inteireza – “do vento. Do vento que vinha, rodopiando. Redemoinho: o senhor sabe – briga dos ventos. O quanto um esbarra um no outro, e se enrolam, ô doido espetáculo” (2019, p. 454).
Eram duas ventarolas
Duas ventarolas
Que ventam no mar (…)
Uma era Iansã
A outra era Iemanjá
É preciso enfrentar as demandas com força e coragem, como ensina Riobaldo, pois: “O real roda e põe diante” (2019, p. 105). A vida é um devir de constantes transformações. Deixemos a gira girar… e o axé circular. Que nosso ori nos mostre a direção, e mesmo no tombo, bambeando, saibamos cair bonito, aprendendo a ouvir e a contemplar o processo do caminho percorrido. Que a sabedoria dos caboclos faça morada:
Caboclo pisa e sabe como está pisando
Ele pisa firme, balanceia e sai andando (…)
Referências
HADDOCK-LOBO, Rafael. Abre-caminho: assentamento de metodologia cruzada. Rio de Janeiro: Ape´ku, 2022.
PARIZI, Vicente Galvão. O livro dos Orixás: África e Brasil [recurso eletrônico] / Vicente Galvão Parizi — Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das letras, 2001.
ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
[1] Ponto encantado de Xangô, disponível em: PONTO DE XANGÔ – ELE BRADOU NA ALDEIA – TIÃO CASEMIRO – 9° Festival de Curimba Um Grito de Liberdade
[2] Paráfrase da canção de Emicida e Rael da Rima Levanta e Anda.
[3] Emicida e Rael da Rima Levanta e Anda. Emicida – Levanta e anda part. Rael (Lyric Video)

Pâmela Bueno Costa, professora de filosofia na rede estadual e particular de ensino – SC. Graduada em Filosofia. Pós-graduada em Ensino da Filosofia. Mestre em Ensino da Filosofia PROF-FILO. Cursando terceiro ano de Letras: Português/Espanhol (UNESPAR). Ilustradora amadora e aprendiz de aquarela. Colunista do Factótum Cultural.
Os artigos publicados, por colunistas e articulistas, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Factótum Cultural.






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