por Gisele Souza Gonçalves

Por muito tempo eu aprendi que é preciso ser forte repreendendo o choro. Chorar, durante muito tempo, não foi permitido. Alguma voz me dizia “não chore”. Por muito tempo, quando alguém chorava eu involuntariamente – ou não – dizia “não precisa chorar”.

Reaprendi sobre choro: É preciso sim, sempre que necessário, chorar; seja de alegria, seja de tristeza; ora de cansaço, ora de alívio: é permitido chorar. O choro de tristeza deixa sua marca para lembrarmos que é preciso sentir. Quando as lágrimas são de alegria, aquelas de tristeza são lembradas para que digamos a nós mesmas: você merece esse contentamento, a vida não é só pesar.

Felizmente nossas experiências mais alegres deixam suas marcas para que quando a dor surgir, tenhamos a saudade esperançosa que impulsiona a busca pela felicidade. Viver é assim: equilibrar os sentimentos para valorizar o presente, permitir sentir tristeza e chorar, entender sua raiva e aprender com ela, mas não deixá-la dominar o seu ritmo.

Eu gosto de momentos em que nada acontece e, ao mesmo tempo, o muito faz sentido e, ainda assim, há tanto para compreender. Eu já chorei muito, por dias seguidos, e foi de angústia, de indignação, de dor, de saudade. Mas também já chorei de emoção pela vida que segue seu destino cheio de sentido, com pessoas que são luta e luto e que, por isso, são vida.

Merecemos chorar em meio ao riso, porque este é mérito nosso e sabemos, apenas nós, pelo que passamos e pelo que sofremos. Chorei e choro quando leio os sentimentos e os relatos entre livros que conheci, como os registros de Carolina em “Casa de Alvenaria: Santana”:

O ano passado eu estava na favela, este ano na minha casa de alvenaria. – Desde os meus oito anos, que estou procurando localisar a tranquilidade e a felicidade. Dessisti. Porque todos falam na felicidade, mas ainda não ouvi ninguem dizer que é feliz” (JESUS, Carolina Maria, 2021, p.54).

Ou ainda no trecho de um interessante personagem de Mia Couto em “A varanda do frangipani”, o qual filosofa sobre a sabedoria e seus limites:

Porque agora só o vento me cheira. No resto, ninguém me cuida. Disso eu já me resignei. Mesmo esses que rondam, pontuais, os cemitérios, que sabem eles dos mortos? Medos, sombras e escuros. Até eu, falecido veterano, conto sabedoria pelos dedos (COUTO, 2007, p. 10).

A leitura nos alimenta com pensamentos que nos fazem valorizar a nossa essência. E, na vida fora dos livros, o choro faz sentido para pessoas sensíveis que identificam a realidade nas páginas que a arte descreve.

E que – entre livros e realidade, sonhos e conquistas, alegrias e tristezas – possamos nos descobrir e caminhar nossos percursos sem que ninguém e nem nós julguemos nossas lágrimas, e quando algum desavisado de sentimentos julgar, que saibamos seguir e respeitar o choro de que somos dignos.

Comecemos o ano com lágrimas que lavem as nossas almas, sobrevivemos a dores tão fortes nos últimos anos que merecemos chorar de alegria e muito. Sigamos sendo nós!

Referências:

COUTO, Mia. A varanda do frangipani/ Mia Couto. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

JESUS, Carolina Maria de. Casa de Alvenaria, volume 2: Santana/ Carolina Maria de Jesus. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2021(Cadernos de Carolina).

Gisele Souza Gonçalves. Professora e Doutora pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Mãe. Colunista do Factótum Cultural.

Os artigos publicados, por colunistas e articulistas, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Factótum Cultural.

Deixe um comentário

Tendência