É isso que um escritor faz: ele presta atenção no mundo
(Susan Sontag).

A vida sempre tentou me convencer de que o que importava eram as grandes conquistas. O carro do ano, a casa maior, o amor de cinema, o Pix gordo caindo na conta. Cresci acreditando que a felicidade morava lá, sempre na curva do próximo grande feito. Corri como tantos correm, tropeçando em metas, sonhando alto, me cobrando mais. E, quanto mais buscava, mais percebia que o vazio também crescia.

Até que um dia, cansado, percebi: o infinito não mora nas grandes vitórias. O infinito se esconde dentro das pequenas coisas. Ele não chega em tapete vermelho, mas entra pela porta dos fundos, descalço, sorrindo, como quem não quer chamar atenção.

A vida se revela nos detalhes.

É a lagartixa que surge de repente na parede, mensageira da leveza, lembrando que é possível se regenerar e seguir.
É o papel higiênico em um ritual de ayahuasca — simples, indispensável — provando que até no sagrado há humanidade.
É a maçã mordida sem pressa, tão banal, tão grandiosa, que conecta com mitos antigos e com a infância.
É o cheiro de uma fragrância que me leva, em segundos, para um lugar que nem lembrava existir.
É o abraço do meu filho, que reorganiza todo o universo em um gesto.
É a comida simples da minha mãe, carregada de alquimia que nem a alta gastronomia ousa imitar.
É o gesto carinhoso do meu pai, que brota por entre as fissuras de sua dureza.

Mas não para por aí.
É também um sorriso de uma moça bonita, que ilumina o dia como se fosse sol.
Uma sacola dada pela caixa do supermercado, transformada em presente porque veio carregada de humanidade.
A fala de um colega: “Gostei do seu artigo” — e de repente minha escrita ganha propósito.
É um “bom dia” durante a caminhada, um cumprimento pequeno que reequilibra a fé no mundo.
É a curtida de alguém que nunca vi, o “sou seu fã” de alguém com quem quase não tenho relação.
É o pedido de ajuda de um desconhecido.
É o “obrigado pela sua amizade” vindo de longe.

Essas pequenas coisas não aparecem nas manchetes. Mas são elas que seguram a alma quando nada de grandioso acontece.

No passado, eu me entristecia quando passavam dias sem espetáculo. Hoje entendo: esses dias são férteis, incubadores de silêncio, espaço onde o invisível trabalha. A vida não se constrói apenas nos picos e nos abismos — ela floresce na estrada entre os dois.

Estar consciente é a chave.
Sem consciência, tudo passa batido.
Com consciência, até uma sacola de supermercado se revela um presente do cosmos.

E então compreendo: tudo, absolutamente tudo, segue o fluxo. O Eu Superior está em cada detalhe, dos mais grandiosos aos mais discretos. Não há acaso. Não há vazio. Até a espera é parte da música.

Porque, no fundo, não existe nada pequeno.
O detalhe é o infinito disfarçado de cotidiano.


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E não se esqueça: Todo sábado, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio. Segunda a gente volta com humor para os dias difíceis.

⚡ Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor e editor-chefe do Factótum Cultural.

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