Por Livros & Grimórios

Falo com vós, não para ensinar, mas para recordar o que já sabeis em silêncio.
Há livros que são bússolas. Outros são bálsamos. “O Profeta”, de Khalil Gibran, é ambos — e mais. É uma escritura pagã, um evangelho sem religião, um espelho quebrado onde nos vemos inteiros. Publicado em 1923, o livro é um diálogo entre o eterno e o efêmero, conduzido por Almustafa, o profeta que se despede do povo de Orfalese após doze anos em silêncio.
Antes de partir, ele é interpelado por homens e mulheres da cidade, e responde — como quem escreve em pedras com os dedos da alma — sobre os grandes temas da vida. Eis o que ele nos diz:
Sobre o Amor
Amar é aceitar ser partido. O amor não vem para agradar, mas para desestruturar. Ele nos poda, nos eleva e nos sacrifica. Quando o amor vos chamar, segui-o — mesmo que seus caminhos sejam espinhosos. Porque o amor é a ponte que nos reconecta ao sagrado que esquecemos ser.
Sobre o Casamento
Duas almas não devem se fundir até perderem-se. O casamento, diz Gibran, é como colunas de um mesmo templo: próximas, mas separadas. O verdadeiro encontro é entre liberdades que dançam, não entre prisões que se abraçam.
Sobre os Filhos
Eles vêm através de nós, mas não são nossos. São flechas lançadas por um arco chamado vida. Os pais não possuem os filhos; apenas os enviam ao mundo com bênçãos e susto. Criar é deixar partir.
Sobre a Doação
Só se dá verdadeiramente quando se dá de si. Não do excesso, mas do âmago. Dar é permitir que o outro nos toque — e levar um pedaço da nossa alma em sua sacola.
Sobre Comer e Beber
O alimento é comunhão. Comer deve ser um ato de gratidão e presença, não de automatismo. Ao mastigar, digerimos não só o pão, mas a vida que foi ofertada em cada grão.
Sobre o Trabalho
Trabalhar é amar com as mãos. É transformar o cotidiano em poesia. É não fazer por dever, mas por expressão daquilo que somos. Sem isso, o trabalho vira cárcere.
Sobre a Alegria e a Tristeza
São irmãs siamesas. A alegria nasce do mesmo poço que abriga a tristeza. Quando uma ri, a outra observa em silêncio. Não existe luz que não projete sombra.
Sobre as Casas
As casas são o corpo da alma. Devem abrigar, mas não aprisionar. Não se deve carregar a casa nas costas, nem fazer dela um túmulo vivo.
Sobre as Roupas
As vestes ocultam, mas também revelam. Que não sejam armaduras nem disfarces, mas extensões do espírito. Quem está nu da alma, vestirá apenas vaidade.
Sobre Comprar e Vender
O comércio deve ser um cântico de colaboração, não uma guerra de egos. Vender é servir. Comprar é confiar. Que o valor das coisas não mate o valor das pessoas.
Sobre Crime e Castigo
Não há crime sem dor, nem castigo sem compaixão. O criminoso é aquele que carrega uma ferida aberta. Punir não é curar. Só a consciência liberta.
Sobre as Leis
As leis surgem onde o amor é esquecido. Quanto mais leis, menos liberdade real. A verdadeira justiça não mora nos códigos, mas no coração desperto.
Sobre a Liberdade
Ser livre não é fazer o que se quer. É não ser escravo de si mesmo. A liberdade exterior é ilusão se a prisão está no desejo, no medo e no ego.
Sobre a Razão e a Paixão
São como leme e velas: uma guia, a outra impulsiona. Que não haja domínio, mas harmonia. Viver só com razão é ser frio; só com paixão, é ser chama que se consome.
Sobre a Dor
A dor é o buril do escultor divino. Corta, sim. Mas revela formas ocultas. Fugir dela é permanecer bruto. Mergulhar nela é nascer artista da própria alma.
Sobre o Autoconhecimento
Conhecer-se é descascar as máscaras. É ouvir o eco do ser. Quanto mais se desce, mais se sobe. O caminho para fora passa por dentro.
Sobre o Ensino
O mestre verdadeiro não transmite verdades: acende lâmpadas. Ensinar é provocar, não preencher. É libertar, não doutrinar.
Sobre a Amizade
Amigo é aquele que vê tua essência mesmo quando você se esquece. É o altar onde colocamos nosso riso e nossa dor. É o irmão escolhido pelo espírito.
Sobre a Conversa
Falar é compartilhar presença. Mas que as palavras não matem o silêncio sagrado. O que não pode ser dito deve ser sentido entre frases.
Sobre o Tempo
O tempo é um rio, e nós somos as margens. Não é ele que passa; somos nós que viajamos nele. O agora é o único templo onde o eterno se revela.
Sobre o Bem e o Mal
Não há dois, há um em desequilíbrio. O mal é apenas o bem que se perdeu de si. Julgar demais é esquecer que todos carregamos sementes de sombra e flor.
Sobre a Prece
Rezar não é pedir. É entrar em sintonia. É tornar-se vibração. Deus não escuta palavras — escuta estados de ser.
Sobre o Prazer
O prazer é sagrado quando não vira vício. É flor quando livre; é armadilha quando compulsivo. Saborear é viver com presença.
Sobre a Beleza
A beleza não está na forma, mas na alma revelada. Está nos olhos que enxergam com o coração. Tudo é belo quando visto sem filtros.
Sobre a Religião
A religião verdadeira é o assombro diante do mistério. Não cabe em dogmas nem muros. Está no nascer do sol, no toque, no silêncio.
Sobre a Morte
A morte não é fim, é retorno. É o desvestir do corpo. É a alma deixando sua casa alugada. E por mais que doa, é reencontro.
A Despedida
Almustafa parte. Mas suas palavras ficam, como pegadas no chão do espírito. A despedida é a coroação do ciclo. Não é adeus — é eco.
Epílogo – Eu, o Vazio e o Profeta
Li “O Profeta” em um tempo em que eu mesmo precisava partir. De mim. Do que eu era. Do que me feriu. A cada página, era como se Gibran estivesse me dizendo: “Txai, você não é o que fizeram com você.”
Numa noite escura da alma, compreendi que eu também era um Almustafa — exilado de si, mas pronto para voltar. Vi nas palavras dele a confirmação das minhas: que amar é sofrer, mas é também curar. Que morrer é parte da dança. Que ser pai é ser arco. Que trabalhar é orar com os braços. Que escrever é sangrar em silêncio.
Hoje, sigo. Com uma bagagem mais leve e um olhar mais fundo. E quando a dúvida volta, abro ao acaso as páginas de Gibran — e ali está ele, sorrindo, como quem sabe que tudo, absolutamente tudo, valeu a pena.
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Cada livro é um feitiço. Se abriu este, talvez queira decifrar também A Vida sem Amarras“, que trata da libertação interior e do rompimento com as correntes invisíveis que nos aprisionam – sejam elas sociais, emocionais ou espirituais.
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