“Não é um crime isolado. É um projeto de silêncio.”
— Ana Paula Araújo

Com coragem, rigor jornalístico e uma escrita direta, a jornalista Ana Paula Araújo nos entrega em Abuso: A Cultura do Estupro no Brasil um mergulho profundo nas entranhas do machismo estrutural e institucionalizado que ainda rege o país.

A obra, lançada em 2020, não é teoria. É denúncia. É reportagem. É escuta ativa das vítimas. É uma tentativa de dar voz a quem foi calada — pela família, pela escola, pela justiça, pela cultura e até por si mesma.

O livro como microfone para quem foi silenciada

Ana Paula percorre o Brasil ouvindo mulheres vítimas de violência sexual, e o que encontra é um padrão: a impunidade, a culpabilização da vítima, o descrédito nos relatos e o trauma que nunca prescreve.

O livro traz depoimentos fortes — de meninas abusadas por parentes, de mulheres que nunca denunciaram por medo, de vítimas desacreditadas pela polícia e pelo Judiciário. Também entrevista psicólogos, promotores, juízes e especialistas para mostrar como o sistema ainda falha ao proteger quem mais precisa.

“É como se, após o estupro, a vítima ainda tivesse que se provar digna de justiça.”

O Judiciário no banco dos réus

Um dos pontos mais relevantes do livro é a crítica ao sistema de justiça criminal brasileiro, que, embora tenha avançado na legislação (com leis como Maria da Penha, Feminicídio e a Lei de Importunação Sexual), ainda funciona sob lógicas patriarcais.

  • Delegacias despreparadas
  • Perícias negligentes
  • Inquéritos arquivados por “falta de provas”
  • Juízes que julgam a roupa ou o comportamento da vítima
  • A cultura do “ela provocou” ainda presente nos tribunais

Tudo isso revela uma justiça mais preocupada com a reputação do agressor do que com a dignidade da vítima.

Educação sexual, tabu e cultura do silêncio

Ana Paula também toca em outro ponto nevrálgico: a ausência de educação sexual nas escolas. A maioria dos abusos ocorre na infância, dentro de casa, praticados por familiares ou pessoas próximas — e as vítimas nem sabem nomear o que aconteceu.

A autora defende que falar sobre consentimento, respeito e sexualidade é ferramenta de proteção, não de perversão. O tabu em torno do corpo infantil serve apenas para proteger o agressor, não a criança.

“Quem teme a educação sexual, protege o silêncio que alimenta o abuso.”

Por que esse livro é essencial — especialmente para operadores do Direito

Se você é advogado, juiz, promotor, delegado ou atua com a justiça criminal, esse livro precisa estar na sua estante (e na sua consciência).

Ele ajuda a:

  • Entender os impactos psicológicos do abuso
  • Refletir sobre os vícios do sistema penal
  • Repensar o atendimento a vítimas, depoimentos e provas
  • Combater seus próprios preconceitos inconscientes
  • Humanizar um tema que o Direito, muitas vezes, tecnicaliza demais

Um livro para quem quer sair da zona de conforto

Ler Abuso não é fácil. Mas necessário. O Brasil é um dos países com mais casos de violência sexual no mundo — e grande parte das vítimas são meninas de até 13 anos.

Esse dado, por si só, já deveria nos tirar do silêncio. Mas o livro vai além: mostra que o abuso é um sistema de poder — e, como todo sistema, precisa ser enfrentado por todos.

Leitura urgente para um país em negação

Este não é um livro para se ler apenas com a razão. É para ser lido com o estômago. E depois, com as mãos: para agir, transformar, escutar, denunciar, acolher, reeducar.

Enquanto o silêncio for a regra, o abuso continuará sendo cultura — e não exceção.

Depois do impacto de Abuso, Ana Paula Araújo aprofunda ainda mais sua missão jornalística e social com o recém-lançado em 2025 Agressão: A Escalada da Violência Doméstica no Brasil — uma obra que amplia o foco e volta seu olhar à violência doméstica.

📚 Cada livro é um feitiço. Se abriu este, talvez queira decifrar também Como Se Tornar Sobrenatural.

Factótum Cultural.

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