O mito do “bom nazista”
por Leandro Karnal
No artigo desta semana quero propor uma reflexão e, sobretudo, estimular o pensamento crítico sobre um importante tema: nazismo.
Para isso, a partir de agora, conduzo você à seguinte história:
Albert Speer nasceu em 1905, em Mannheim, na Alemanha imperial. A Grande Guerra (1914-1918) trouxe a crise.
Albert foi estudar arquitetura no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe, com sacrifícios altos para a família em meio ao caos econômico da década de 1920.
Em 1931, dois anos antes de Hitler chegar ao poder, Albert Speer filiou-se ao Partido Nazista.
Quando o partido conquistou o Reich, o arquiteto começou a ter ideias sobre desfiles e comícios.
Speer tinha a intuição teatral que soava como grandiosa para o círculo supremo em Berlim.
O arquiteto era cordato. Sabia que Adolf adorava a teatralidade wagneriana de imensos holofotes com luz potente projetada para os céus, com referências arquitetônicas clássicas, de ordem e de combate à estética da Bauhaus.
Logo, a ligação dos dois foi instantânea.
O cabo queria refazer Berlim como uma “nova Roma”. Em 1937, o fiel arquiteto fez o pavilhão alemão na exposição de Paris.
A obra ficava, ironicamente, em frente ao pavilhão soviético. Speer soube dos planos russos e fez um prédio mais alto que parecia barrar a expansão do socialismo. Hitler adorou!
Veio a guerra. Albert Speer dirigiu seus esforços para uma engenharia militar de pontes e de estradas.
O conflito transformou o arquiteto em Ministro de Armamentos.
Seus serviços de arquiteto também foram solicitados para expansões dos campos de morte durante o Holocausto.
A destruição foi se aproximando de Berlim.
Hitler deu o passo final da sua incapacidade de lidar com o real: fez um testamento.
O arquiteto visitou uma última vez seu mentor no bunker e declarou sua fidelidade.
Terminado o horror, o arquiteto era um prisioneiro de guerra.
No julgamento de Nuremberg, a defesa dele foi sempre a mesma.
Era um artista que prestou serviços ao Reich. Nunca soube de nada sobre o Holocausto, dizia. Discordava da crueldade dos líderes nazistas. Queria apenas construir prédios.
Funcionou parcialmente. Não foi condenado à morte nem à prisão perpétua. Cumpriu a pena de 20 anos em Spandau, ao lado de outros nazistas.
Preso, o arquiteto lia compulsivamente e se dedicou a fazer um lindo jardim no pátio.
Escrevia muito e, nas suas memórias, voltava aos argumentos utilizados no tribunal. Em 1966, foi libertado.
Os 21 anos seguintes foram dedicados a construir o mito do “bom nazista”.
Deu entrevistas (até para a Playboy!) e escreveu muito. Tratava jornalistas com extrema cordialidade.
Reforçava o “mito Speer”: o artista engolfado por sádicos sem consciência do mal ao seu redor.
Poucos acreditam hoje no mito do bom nazista.
Se existe uma lição na biografia de Albert Speer, é que ninguém faz parte de um governo sem ser responsável, inclusive pelos crimes.
Não existe “nazista bom”. Ao virar ministro de um poder que anuncia a violência como recurso regular, seu emprego passa a ser mais do que uma aspiração profissional.
Não há como fazer o bem em um governo mau. Isso vale para qualquer época.
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