Entre desconfortos e encantos da descoberta
Por Gisele de Souza Gonçalves

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Álvaro de Campos em Tabacaria
Que a vida nos surpreende não há dúvida. O tempo todo e desde sempre somos surpreendidos pela novidade. Com o tempo e com as projeções que nos induzem a sonhar, sofremos frustrações e decepções. Chegamos, muitas vezes, a não gostarmos de nós, sem entendermos quem somos realmente para além daquilo que nos ensinaram a gostar, a desejar, a fingir.
Até que em algum momento, geralmente no limite daquilo que vivemos por não sermos nós mesmos, sofremos uma ruptura. Aquela fenda encontrada em nosso íntimo a qual nos permite ver uma luz curiosa que nos impulsiona a ter uma atitude diferente do que fizemos até então.
Aquele instante precedido de muitas angústias, questionamentos, reflexões e, finalmente, escolhas nossas. Nossas! Influenciadas por outras e outros, como desde o nascimento. Mas agora mais diversas. Quanto mais tivermos leituras, arte, músicas e momentos de observar nosso mundo, mais teremos condições de pensar sobre quais serão nossas escolhas. Nosso contexto, gênero, cor, classe vão limitar ou ampliar as escolhas. E perceber isso também intensificará ver a fenda e além dela, escolher o que fazer depois dela.
Quando se consegue pensar no que há além da fenda, já é um avanço. Sentir o desconforto para descobrir quem somos, do que realmente gostamos, por que gostamos ou não, é uma vitória, pois questionar sobre o que vivemos e fizemos até o momento é para quem está disposto a ser feliz buscando quem realmente é. E será que seremos felizes sendo quem somos?
Talvez o processo por buscar esse “eu” seja um misto de emoções que nos leve a maior aventura interior: percebermos quem somos neste mundo cheio de conquistas e desesperos. O que me anima é que no caminho sempre existe outros “buscadores” como nós, e conhecer gente assim é um dos encantos da vida. Como Belchior nos deixou: “Viver é melhor que sonhar”.
Viver e sentir nos resgatando deste mundo de aparências é um desafio, mas é inspirador. Nesta caminhada para nosso interior vamos percebendo que não somos sempre os mesmos, felizmente, podemos mudar e nos reconstruirmos em uma versão mais nossa.

Gisele de Souza Gonçalves. Professora e Doutoranda pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Mãe. Colunista do Factótum Cultural.
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