A flor e a resistência
Por Bruna Gabriela Domingues

Caras leitoras e leitores, não lembro ao certo o dia em que me tornei mulher, mas sei que tem a ver com revolução e com flores. Ouso dizer que me tornei mulher quando pari meu primeiro verso entoado pela minha primeira aflição. Enfim, poemas, flores, revolução, mulher, são gumes da mesma navalha que me rasga o peito quando sou.
Desejo a todas e todos uma inquietante leitura.
1945: sem alarde, a flor racha o solo quente do sertão baiano,
nasce Dinalva Conceição Oliveira Teixeira.
no desenrolar dos anos, integrante de movimento estudantil,
o amor experimenta a flor
no mesmo período em que ela conhece a prisão,
do mesmo modo, a flor resiste,
enfrenta os anos em meio a barbárie imposta
por um regime executor de sonhos,
almas, pensamento e liberdade.
dina, guerrilheira do Araguaia,
presa no ano de 1974,
após semanas de tortura
é conduzida para mata fechada
em algum ponto distante do Tocantins,
ciente do seu destino, a flor pergunta:
- vocês vão me matar agora?
a voz da covardia responde em bom tom: - não, um pouco mais à frente.
passo a passo percorrido,
em um lugar mais distante, a flor pergunta: - agora vou morrer?
lhe é respondido: - vai, agora você terá que ir
sem hesitar, a flor proclama: - então, quero morrer de frente, covarde!
centenas de disparos…
a flor volta para a terra de onde nunca mais é colhida.
desaparecida política, Dina é mais um exemplo
de que esse chão histórico que nos sustenta
é adubado pelo sangue das gentes que disseram não.
não ao genocídio, não a escravidão,
não a injustiça, não a desigualdade social,
não a exploração, não a pequenez de espírito,
se puxar o tapete da história escorre sangue:
a revolução é vermelha!
se puxar o tapete da história
peito é lugar de coração, não de medalha.
se puxar o tapete da história,
os pés foram feitos para encontrar caminhos,
não correntes.
se puxar o tapete da história,
navio era coisa para embarcar sonhos,
não violência, dor e sofrimento.
se puxar o tapete da história,
nudez era coisa de gente
e pecado seria vestir-se de morte.
se puxar o tapete da história,
natureza era coisa de contemplação e graça
e não de destruição.
se puxar o tapete da história,
ginga a menina liberdade ao som dos tambores da paz.
mas a história pertence aos vencedores!
vence quem pode mais, quem constrói mais,
quem rouba mais!
quem mata mais!
nas ruas, prédios e avenidas,
triunfa o nome dos algozes:
a verdadeira selva é de cimento.
eles foram cimentando tudo
até chegar aos corações.
porém, em dia de ninguém,
como escreveu um certo poeta gauche,
a flor furou o asfalto, o tédio, o nojo, o ódio.
nos diz a flor:
que hoje eles não irão nos calar
que lugar de mulher é onde ela quiser
que lugar de negro não é mais no tronco
que lugar de gay não é mais no armário
que lugar de panela é na cozinha
que lugar de consciência é na classe
que lugar de criança é na escola
que lugar de investimento é na saúde e na educação
que lugar de corte
é no poder de idiotas inúteis
que lugar de filosofia e sociologia é na cabeça do povo
que lugar de luta é o agora.
sempre é dia de revolução!

Bruna Gabriela Domingues, professora de filosofia da rede estadual de ensino de Santa Catarina. Graduada em filosofia. Mestre em Ensino de Filosofia (PROF-FILO/ UNESPAR). Poetisa amadora, feminista, revolucionária e apaixonada.
Contato: @brunagauchenavida
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