Entender, dialogar e caminhar: o professorar da vida
Por Gisele de Souza Gonçalves

A pandemia continua, chega o mês de outubro, logo será Natal. Um dos ambientes em que eu mais gostava de esperar pelo Natal era a escola. Até o vento trazia um cheiro diferente. A professora sempre reclamava do calor e a gente esperava sempre pelas provas finais. Era pura emoção. Depois que cresci, como professora também reclamava do calor e esperava bons resultados das provas, mas o melhor era ver as crianças aprenderem, planejarem as brincadeiras do recreio e rirem, parece que ao fim do ano riam até mais. Como gostava de vê-las rindo tão livremente. Risada de criança sempre encanta.
Mas nem tudo são flores, na escola a gente vê e vivencia momentos tristes também, e cada um tem suas experiências felizes e infelizes que construíram seus caminhos. Nas minhas memórias tenho mais bons momentos para recordar que ruins nesse lugar chamado “escola”. Desde os meus quase 6 anos, eu tenho boas lembranças de professoras e professores. Quando comecei a ler, lembro que a professora tomava leitura da turma na sua mesa. Um dia ela me chamou, pediu pra eu ler. Em seguida disse para eu esperar e pediu que um colega chamasse a supervisora (era assim que chamávamos a coordenadora pedagógica na rede pública). Pensei: “li errado, que vai ser de mim?”. Quanta ansiedade, aquela espera foi uma eternidade. A convidada chegou e a professora pediu para eu ler de novo. Eu fui acompanhando o lápis que indicava as palavras. Coração a mil. Quando terminei a professora sorriu e a supervisora disse “muito bem”. Era só isso. Mas a satisfação do sorriso era mais do eu esperava, porque parecia que ela presenciava algo muito extraordinário. Anos depois, quando tive uma turma de alfabetização na rede pública, eu entendi a minha professora.
Ver o progresso de uma criança até que ela leia as palavras é algo extraordinário. Mais ainda quando você percebe que para além das letras, ela lê o mundo, este que já lia antes da escola e que agora relaciona seu significado com as letras e sons. Gente, é incrível mesmo!
Eu também tive ainda a experiência de participar de algumas formações com
docentes. Já viram os olhos delas e deles quando relatam o que seus alunos aprenderam? É outra coisa linda de se presenciar, um olhar de quem guarda na lembrança essas “horinhas de descuido” como escreveu Guimarães Rosa. Assim eu aprendi e aprendo como é lindo professorar.
É, professoras e professores são pessoas que marcam nossas vidas. E como nós reconhecemos isso? Tem momentos em que eu lamento por não haver esse valor. Já não sou mais criança e ainda hoje meus atuais professores e professoras continuam marcando a minha vida. Em relação à remuneração, sabemos há tempos que são pouco valorizados, além disso, tem a desvalorização da importância de seu trabalho, alguns acham simples (o que a pandemia mostrou ser bem o contrário, pois existem famílias que agora sim estão reconhecendo seus filhos e como eles aprendem – ou não). Outros não entendem a importância de se aprender bem, de questionar, ser atento e crítico, ser um bom leitor, entender bem as relações entre números e relações sociais, ser curioso e gostar das ciências naturais, apreciar a arte e a música, compartilhar saberes. Ser gente humanizada. E isso tem intensa proximidade com o trabalho de professoras e professores.
A docência faz a diferença em tudo isso, mas se a formação – na licenciatura e continuada – não possibilitar compreender as relações entre teoria e prática, muitos
profissionais não perceberão tal relevância no caminho que acontece desde a educação infantil até a pós graduação. E se o diálogo entre profissionais não se fortalecer teremos muito a perder. Precisamos professorar em nós a reflexão e o diálogo.
Se com tantas desigualdades, as professoras e professores já fazem a diferença na vida de seus educandos, imagine quando dialogarmos e fortalecermos a relação teoria e prática – na sala de aula e na sala de professores (uso sala para dar a ideia de encontro, mesmo os virtuais) –, de forma a legitimar tal importância na sociedade. Ah, com certeza, teremos outra sociedade, por isso alguns queiram tanto desvalorizar nossa profissão, desqualificando nosso trabalho. É preciso caminhar, mas de mãos dadas – por enquanto metaforicamente – aprendendo e ensinando sobre como podemos ser mais.

Gisele de Souza Gonçalves. Professora e Doutoranda pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Mãe.
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Parabéns!!! Lindo texto.
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Obrigada, querida!
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Um texto leve e fascinante!!
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