Em busca de Zeus

Busquei “Deus” ou “Zeus”, o nome pouco importa.
Comprei o pacote completo.

Teve ayahuasca com playlist xamânica,
LSD com promessa de dissolução do ego (o ego dissolveu e voltou parcelado em 12x),
cogumelos que garantiam “download do universo”,
ecstasy e MDMA prometendo amor incondicional —
baixei só trauma, infância, medo ancestral e boletos atrasados.

Li livros.
Muitos.
Alguns com capa dura, outros com foto de guru olhando para o nada (e cobrando caro por isso).

Vi filmes.
Inúmeros.
Alguns profundos, outros só confusos, todos fingindo que sabiam mais do que eu.

Fiz cursos.
Online, presenciais, iniciáticos, avançados, avançadíssimos.
Aprendi meditar, respirar, a não respirar, a observar a respiração observando o observador que observa a respiração.
Cansei.

Frequentei religiões.
Muitas.
Catolicismo, evangélicos, islamismo, umbanda, candomblé, espiritismo, xamanismo, budismo, hinduísmo, ufologismo, gnosticismo…
Mudei de templo, de roupa e de vocabulário — o vazio me acompanhou fielmente.

Estudei ocultismo, espiritismo, budismo, esoterismo, misticismo, satanismo, cristianismo, hinduísmo etc. No fim, descobri que cada religião/espiritualidade chama o mesmo silêncio por um nome diferente.

Rezei, orei, gritei.
Falei com Deus em várias línguas, inclusive estranhas.
Português, silêncio, desespero e um pouco de sarcasmo — minha língua materna.

Resultado final da busca espiritual intensiva:
❌ Deus não apareceu
❌ Iluminação não veio
❌ Consciência primordial não deu as caras

✔️ Apareci eu
✔️ Com dor nas costas
✔️ E um vazio de respeito no peito

Descobri, tardiamente, que a busca pela iluminação é o ego usando bata branca e falando baixo.
O ego troca o carro esportivo por incenso,
mas continua querendo ser especial.

A Montanha Sagrada” avisou.
Eu ignorei.
Achei que comigo seria diferente.
Nunca é.

Quando todos os muros caíram — crenças, visões, teorias, certezas — fiquei olhando para o terreno vazio pensando:
“Pronto. Agora não sobra nada.”

Mas sobrou.
A geladeira ainda estava lá.
O corpo ainda precisava comer.
O boleto não se pagou sozinho.
O mundo ainda exigia resposta.
O corpo continuava exigindo crossfit.
A vida, essa mal-educada, continuava acontecendo sem pedir autorização metafísica.

Descobri algo constrangedor:
talvez não exista sentido último.
Talvez não exista plano secreto.
Talvez o universo não esteja nem aí para minha jornada espiritual.

E sabe o que sobrou?

Lavar a louça.
Cuidar de quem amo.
Fazer o trabalho direito (as vezes, com humor).
Ser menos idiota do que ontem (quando dá).
Rir da própria pretensão.

No fim das contas, talvez Deus não esteja morto, como afirmava Nietzsche.
Talvez só tenha desistido de ser usado como resposta.

E quer saber?

Talvez a iluminação fosse isso o tempo todo:
perceber que ninguém vem salvar,
que nada faz sentido garantido,
e que mesmo assim…

segunda-feira chega do mesmo jeito.

Falando sério por um instante: existe uma leitura possível — antiga, bonita e perigosa — de que somos uma única consciência que, entediada ou amorosa demais, criou a matéria, a forma, o espaço e o tempo para experimentar a si mesma. Fragmentou-se em bilhões de pontos de vista, esqueceu quem era, e passou a viver o teatro da separação. Quando um fragmento “desperta”, começa a jornada de retorno para casa, até que um dia tudo volte a ser Um. Um filme cósmico, uma peça encenada pelo próprio autor, uma história de amor entre o Todo e suas partes. O Eu Sou experienciando.

📖 Não deixe de ler nosso conteúdo anterior:

E não se esqueça: segunda, nossa coluna “Escrever para Não Enlouquecer” traz humor para os dias difíceis. Sábado a gente fala sério — mas só porque o universo exige equilíbrio.

Neemias Moretti Prudente é escritor, advogado, filósofo, professor, místico, cômico e editor-chefe do Factótum Cultural.

Deixe um comentário

Tendência