Os Nossos Palácios Imaginários
Por Bárbara Silvestre

Existe um livro muito usado no judaísmo sendo, inclusive, citado no Talmud, exercendo bastante influência na liturgia judaica. Este livro é o Alfabeto de Ben Sira, e entre um vasto conteúdo mitológico, podemos encontrar a estória de Lilith.
Lilith foi a primeira mulher criada por Deus, da mesma forma que Adão, moldada pelas mãos divinas. Só que com o tempo Lilith se rebelou por não se conformar com uma posição inferior a de seu marido, já que ambos foram criados a imagem e semelhança de Deus. Em busca de igualdade, Lilith entrou em conflito com Adão principalmente por não aceitar a obrigação de se deitar por baixo de seu marido todas as noites, e contestou também o Criador, tendo que escolher entre se submeter ou deixar o jardim. Ela escolheu a segunda opção e partiu para um exílio no Mar Vermelho, que era o reduto dos demônios e anjos caídos. Adão, triste por perder sua mulher, adormeceu, e a partir de sua costela Deus criou Eva, uma mulher que saiu do homem, portanto dependente e submissa a ele, a que seria oficialmente a primeira esposa de Adão, a mãe da humanidade. Na Bíblia, não temos nenhuma referência à Lilith, mas no imaginário judaico, já associado às lendas mesopotâmicas, Lilith é o demônio da luxúria – que tentava os jovens sexualmente à noite levando-os a sonhos eróticos e “polução noturna”.
Essa história que acabei de lhe contar é um mito, ou seja, um escrito sagrado que se manifesta como forma atenuada de intelectualidade e como instrnitumento social. Sendo assim, obra do imaginário. Sartre diz que o imaginário é o nome que damos a certas verdades e que todas as verdades são analógicas entre si. Esses diferentes mundos de verdades são objetos históricos, e cada época pensa e age dentro de molduras arbitrárias e inertes a ela.
Portanto, faz sentido que nós, em nossa grande maioria, não acreditemos que Lilith perturbe as nossas noites de sono como Nabucodonosor poderia acreditar.
O imaginário é a realidade dos outros, e em uma mesma sociedade encontramos várias verdades que, por mais que sejam diferentes entre si, são todas intensamente verdadeiras para quem acredita, mas de constante a verdade só tem a sua pretensão de ser verdadeira, e essa pretensão é apenas formal.
Segundo Nietzsche a verdade é a mais variável das medidas.
E o mito de Lilith, que foi tão influente na vida religiosa e cotidiana daqueles homens hebreus, não foi escolhido como parte constituinte da Gênesis católica – portanto, desconhecido para a maioria de nós –, o que prova que o ser humano é parte de seu meio social, e para sair disso e inovar é preciso ser um gênio.
E quando essa genial mudança de paradigma acontece, para quem não é tão genial assim, é simples se adaptar e adestradamente ter como verdade os novos costumes.

Bárbara Silvestre é Mestranda em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharela em Filosofia pela Faculdade de São Bento de São Paulo. Escritora e Colunista do Factótum Cultural.
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Sou Bacharel em Filosofia pela Faculdade de São Bento de São Paulo. Estou cursando o Mestrado em Filosofia com ênfase em Teoria do Conhecimento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.