Por Livros & Grimórios

🌌 O contexto do livro
Em 1958, quando Carl Gustav Jung escreve Ein moderner Mythus: Von Dingen, die am Himmel gesehen werden (Um mito moderno sobre coisas vistas no céu), o mundo vivia o auge da Guerra Fria.
A humanidade, armada com bombas nucleares e invadida pela tecnologia, olhava o céu com medo e fascínio.
Os jornais publicavam relatos de “discos voadores” e “luzes misteriosas”, e a histeria coletiva se misturava à esperança de contato com uma civilização superior.
Jung, já idoso e reconhecido como um dos maiores intérpretes da alma humana, não despreza o fenômeno — mas também não o toma ao pé da letra.
Ele percebe ali um espelho psíquico, um mito em formação: um novo símbolo para uma humanidade órfã de deuses, que buscava redenção nas estrelas.
🧠 O método junguiano
Jung não tenta provar ou refutar a existência física dos OVNIs.
Seu interesse é psicológico e simbólico.
Ele parte do princípio que, para o inconsciente coletivo, a realidade psíquica é tão poderosa quanto a material.
Logo, o que o homem vê no céu pode ser uma projeção real do seu estado interior — uma imagem arquetípica que emerge do inconsciente em resposta a uma crise espiritual coletiva.
Esse é o núcleo do livro: os “discos voadores” são o novo mito do século XX.
☀️ A forma circular: o símbolo do Self
Jung nota que a maioria dos relatos descreve os objetos como esferas, discos ou círculos luminosos.
Isso o faz lembrar das mandalas orientais, símbolos milenares de totalidade e integração psíquica.
Para ele, a circularidade dos OVNIs representa o arquétipo do Self, o centro organizador da psique — o ponto em que os opostos (razão e emoção, consciente e inconsciente) se unem.
O Self é o “Deus interior”, a centelha divina que busca manifestar-se.
Assim, os discos voadores são imagens do divino projetado para fora, uma tentativa inconsciente de reencontrar o sagrado perdido.
“O que outrora se chamava de anjos ou aparições divinas, agora aparece como objetos voadores.”
— C.G. Jung
⚔️ O homem moderno e a perda do eixo espiritual
Jung argumenta que, com o avanço da ciência e da tecnologia, o homem moderno perdeu o contato com o simbólico.
Os mitos, que antes davam sentido à vida, foram substituídos por fatos e máquinas.
Mas o inconsciente não desaparece — ele reage.
Privada do transcendente, a alma coletiva tenta recriá-lo: e o faz com as imagens disponíveis.
Se o homem medieval via santos e anjos, o homem moderno vê naves metálicas e luzes artificiais.
O mito não morreu, apenas se atualizou para um mundo tecnológico.
Essas visões são, portanto, manifestações do inconsciente coletivo tentando restaurar o equilíbrio psíquico da civilização.
🔥 A tensão da Guerra Fria
Jung relaciona o fenômeno com o medo da aniquilação nuclear.
Naquele momento histórico, o mundo vivia sob a sombra do apocalipse.
Os discos voadores surgem, então, como símbolos compensatórios: imagens de totalidade, harmonia e salvação que equilibram a paranoia e o desespero.
Enquanto as bombas ameaçavam destruir o planeta, as luzes circulares representavam uma promessa — talvez de redenção, talvez de reinício.
Por isso o livro se chama Um mito moderno: o mito não é uma mentira, mas uma verdade simbólica que brota quando o racionalismo se mostra insuficiente.
👁️ O olhar simbólico
Jung alerta que negar o fenômeno é tão ingênuo quanto tomá-lo literalmente.
A sabedoria está em perceber que o “céu” e a “mente” são dimensões interligadas.
O que o homem vê no firmamento é uma projeção daquilo que se move dentro dele.
Os OVNIs são “imagens do Self” que surgem quando a humanidade está prestes a uma mudança de consciência.
Eles anunciam a necessidade de integração, o nascimento de uma nova era psíquica — um salto evolutivo espiritual.
“Quando o mito morre, o inconsciente cria um novo.”
— C.G. Jung
🪞 O mito e a individuação coletiva
Jung também percebe um paralelo entre a individuação do indivíduo e a individuação da humanidade.
O mesmo processo que cada pessoa vive — de unir o consciente e o inconsciente, o eu e o Self — acontece coletivamente, em escala planetária.
O mito dos discos voadores seria o sinal de que a humanidade tenta integrar sua sombra: o medo, o poder destrutivo, o materialismo extremo.
O “contato extraterrestre”, nessa leitura, é o símbolo do reencontro com o divino interno.
Não são “eles” que vêm nos visitar — somos nós tentando nos reconhecer.
✨ A dimensão espiritual
Embora Jung mantenha o discurso científico e sóbrio, o livro é profundamente espiritual.
Ele insinua que os OVNIs podem até ter uma realidade física, mas o que importa é sua função psíquica.
São mensagens da alma.
São sonhos coletivos que sobem aos céus porque já não cabem dentro de nós.
E ele termina o livro com uma provocação: se os discos voadores realmente existirem, talvez eles apenas confirmem o que a psicologia já sabe —
que a mente humana é capaz de criar e perceber dimensões que desafiam nossa noção de realidade.
💫 Nossa leitura na Coluna Livros & Grimórios
Para nós, Um mito moderno sobre coisas vistas no céu é mais do que um ensaio psicológico.
É uma radiografia da alma moderna — órfã de Deus, mas faminta de transcendência.
Jung escreve como quem observa o céu de dentro do coração humano.
Cada luz avistada é uma metáfora da consciência tentando nascer.
Os deuses voltaram, sim, mas não em naves — voltaram como símbolos luminosos do inconsciente, pedindo que o homem se lembre de que o cosmos é também interior.
Ler esse livro é perceber que a ufologia é a nova teologia: uma forma de o homem continuar acreditando no mistério, agora com linguagem tecnológica.
E Jung, com seu olhar de alquimista, traduz esse espanto em psicologia profunda.
🜂 Conclusão
Do começo ao fim, o livro é um estudo sobre a alma da humanidade em crise, refletida no espelho do céu.
Jung não fala de alienígenas, fala de arquétipos disfarçados de luz.
Os “discos” são as auréolas de um novo tempo.
São o inconsciente coletivo girando sobre nossas cabeças, pedindo que olhemos pra cima — e pra dentro.
“O céu está dentro. O que vemos fora é apenas a projeção da nossa eternidade.”
E talvez o verdadeiro contato com seres de outra dimensão aconteça quando, finalmente, o homem fizer contato com o que há de mais vasto dentro de si.
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✍️ Editores do Factótum Cultural






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