Por Tela Mística

🌌 Portal de Entrada
Há filmes que não apenas contamos, mas escutamos. Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin, 1987), de Wim Wenders, é um desses raros encontros entre cinema e meditação.
Aqui, os protagonistas não são heróis nem vilões, mas anjos invisíveis que observam os humanos em sua rotina comum — suas alegrias tímidas, suas dores silenciosas.
O título já sugere a contradição: o desejo, tão humano, nasce justamente onde há asas. Mas o que um anjo pode desejar senão a própria queda no mundo?
🎥 A História que a Tela Conta
Em uma Berlim ainda dividida pelo muro, dois anjos, Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander), percorrem a cidade invisíveis aos olhos humanos. Eles escutam pensamentos, testemunham dores íntimas, acompanham o cotidiano sem jamais interferir.
Até que Damiel se apaixona por Marion (Solveig Dommartin), trapezista de um circo em decadência. Fascinado pela experiência humana, Damiel deseja abandonar a eternidade e viver como homem, ainda que isso signifique sentir dor, fome, frio e, sobretudo, a solidão.
É a escolha pela carne, pelo risco, pelo amor.
🎶 O Feitiço da Estética
Wenders transforma Berlim em personagem. A fotografia alterna entre preto e branco (visão dos anjos) e cores (visão humana), como se dissesse: a eternidade é monocromática; a vida encarnada, por mais dolorosa, é colorida.
A câmera desliza como se fosse olhar angelical: não julga, apenas observa. A trilha sonora de Jürgen Knieper mistura melancolia e esperança, enquanto a presença enigmática de Peter Falk (interpretando a si mesmo) adiciona uma camada metalinguística que brinca com a fronteira entre cinema e realidade.
✨ A Alma do Filme
No coração de Asas do Desejo está a pergunta: vale a pena trocar a eternidade pela experiência humana?
Damiel responde sim. A alma do filme é a coragem de descer das alturas para sentir. Porque viver, no fundo, não é sobre perfeição ou imortalidade — é sobre encarnar, cair, errar, amar, rir e sofrer.
O desejo do anjo não é pelo poder, mas pela fragilidade. É o desejo de tomar um café quente em um dia frio, fumar um cigarro, sentir a dor de um arranhão, segurar a mão de alguém que também está perdido.
E é justamente aí que está a beleza: a vida é feita de detalhes imperfeitos, e é neles que a existência encontra sentido.
🔮 Tela Mística – O Invisível por Trás da Tela
A simbologia de Asas do Desejo é profunda. Os anjos representam a consciência pura: observam, registram, mas não experimentam. São o espírito em estado de contemplação.
Damiel, ao desejar tornar-se humano, encarna a jornada da alma que decide mergulhar na matéria — um eco de mitos antigos, do Gênesis ao mito da Queda, e também das tradições gnósticas que falam da centelha divina mergulhada no corpo.
Quando Damiel cai no mundo humano, sua primeira imagem já é simbólica: ele aparece com um sobretudo gasto, sujo, como se tivesse trocado suas asas por uma vestimenta pesada de carne. Mais tarde, vende a antiga “armadura de anjo”, gesto que revela a essência da escolha. Ele abandona a proteção da eternidade para viver na vulnerabilidade do tempo. A mensagem é clara: não se pode experimentar a vida sem abrir mão das defesas. Viver é estar exposto.
No caminho, Damiel encontra Peter Falk — ator famoso, mas que se revela como alguém que já foi anjo e escolheu encarnar. Esse encontro é mais que curiosidade metalinguística: é iniciação. Falk funciona como guia, aquele que já percorreu a travessia e pode confirmar que a dor, a fome e a solidão valem o risco, porque é só na carne que se prova o gosto do café, o peso da chuva, o calor de um abraço. O ex-anjo mostra que não estamos sozinhos na queda — outros já desceram antes e continuam sussurrando caminhos.
A fotografia de Wenders também revela o mistério: para os anjos, tudo é preto e branco, uma eternidade sem drama. Para os humanos, tudo é cor — porque viver é mergulhar na dualidade. Só no contraste entre dor e alegria, perda e encontro, a vida ganha intensidade. A eternidade pode ser pura, mas é a imperfeição da carne que pinta o mundo.
Pela psicanálise, podemos ler o filme como a passagem do superego (o anjo que tudo observa, mas nada sente) para o ego encarnado, que enfrenta desejo, risco e frustração. Pela filosofia, Damiel é a recusa platônica da ideia pura em favor da experiência sensível.
E pela espiritualidade, é a lembrança de que, antes de nascermos, éramos apenas espírito — e que estar aqui, na carne, com todas as suas dores, é o verdadeiro milagre.
🔑 A Última Chave
Asas do Desejo nos lembra que não estamos aqui para sermos perfeitos, mas para sermos humanos.
É na queda que descobrimos o voo. É na dor que descobrimos a beleza. É no risco que descobrimos o amor.
Damiel abandona a eternidade por um abraço, por um trapezista solitário, por um instante real. E esse gesto ecoa como oração: viver vale mais do que observar.
A última chave que o filme nos entrega é simples e profunda: a vida só faz sentido quando tocada, sentida, experimentada — mesmo que doa.
🖋️ Epílogo – Minha Experiência
Quando vi Asas do Desejo pela primeira vez, senti como se alguém tivesse filmado uma sensação que eu já carregava: a de observar a vida de fora, como se não pertencesse totalmente a ela. Houve momentos em que eu também quis apenas olhar, sem me envolver. Mas o filme me lembrou que viver exige encarnar, aceitar a dor e o risco.
E talvez seja por isso que, depois dessa obra, nunca mais tomei um café quente ou um silêncio comum da mesma forma. Passei a sentir em cada detalhe um convite a estar presente. No fim, percebi que a vida não pede asas — pede pele.
Para sentir em carne o filme, assista ao trailer abaixo:
Ou o filme completo:
📡 Tela Mística é o portal onde os filmes sussurram verdades para quem já despertou.
Curtiu a análise? Comente, compartilhe e siga a coluna Tela Mística para mergulhar ainda mais fundo nos símbolos ocultos do cinema e da vida. Aqui, cada filme é um portal — e todo leitor é um herói (ou anti-herói) em potencial.
🎬 O filme não acabou — há sempre uma cena pós-créditos. Descubra em:
✍️ Editores do Factótum Cultural





Deixe um comentário