por Bruno Carrasco

Cena do documentário “A sociedade do cansaço”, 2015

Byung-Chul Han é um filósofo e escritor sul-coreano que aborda sobre as relações de vida e trabalho na atualidade, tecendo críticas sobre a sociedade contemporânea, especialmente com relação ao capitalismo neoliberal e o uso da tecnologia. Sua abordagem crítica e perspicaz das questões sociais e culturais geram inúmeras discussões sobre a sociedade atual no contexto da cultura do desempenho.

Segundo ele, o indivíduo é cada vez mais levado a uma constante busca por produtividade, eficiência e auto-otimização. Analisando as consequências psicológicas e sociais desses novos modos de vida, como o aumento do estresse, da depressão e da solidão. Examina também o impacto da tecnologia e das redes sociais, destacando os efeitos da vigilância constante, da exposição pública e da perda da privacidade.

Han escreveu diversas obras, entre elas “Sociedade do Cansaço”, “Sociedade Paliativa”, “Psicopolítica”, “A Expulsão do Outro” e “A Agonia do Eros”. Por meio de suas análises críticas ele problematiza as relações de vida e de trabalho, oferecendo uma análise profunda sobre as contradições e os desafios da sociedade contemporânea, refletindo também sobre possíveis alternativas mais humanas e sustentáveis.

Em suas obras ele descreve a sociedade atual como extremamente ativa, que estimula a todo tempo uma maximização da produtividade, transformando as pessoas em máquinas de desempenho. Isso gera cada vez mais um cansaço e uma sensação de esgotamento excessivos, característicos de um mundo dominado pelo excesso de positividade. Este excesso de desempenho, de acordo com Han, nos leva a um “infarto da alma”.

O sujeito de desempenho atual não se submete a nenhum trabalho obrigatório, ele acredita ser livre e agir por vontade própria, mas essa noção de liberdade o coloca sob novas formas de coação, fazendo desejar produzir cada vez mais, vivendo num sentimento constante de culpa e de autocobrança. O cansaço da sociedade do desempenho o incapacita de fazer qualquer coisa realmente relevante.

Como contraponto, a sociedade do desempenho e a sociedade ativa geram um cansaço e esgotamento excessivos. Esses estados psíquicos são característicos de um mundo que se tornou pobre em negatividade e que é dominado por um excesso de positividade. (…) O excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma.” (Byung-Chul Han, em ‘Sociedade do cansaço’)

As doenças psíquicas mais comuns da atualidade, como depressão, burnout ou déficit de atenção, são um resultado desse excesso de positividade, da autoexploração e da incapacidade de dizer não. O sujeito do desempenho pós-moderno dispõe de uma quantidade exagerada de opções de vida, mas não consegue estabelecer conexões intensas e profundas. Vive solitário, não estabelece aproximações genuínas com as outras pessoas.

Essa sociedade do cansaço gera um esgotamento solitário e isolado, impedindo qualquer relação comunitária. Na depressão, as conexões e os relacionamentos se rompem, inclusive a ligação consigo mesmo. O depressivo é uma pessoa esgotada, incapacitado de sair de seu estado de sofrimento, de estabelecer relações com os outros e com o fora, está cansado de tantas exigências. Já o burnout é a consequência de uma excessiva autoexploração.

Toda essa cultura de produtividade e desempenho dificulta a pessoa elaborar seus conflitos, por ser algo demorado que demanda uma parada, é mais simples usar antidepressivos e retornar suas funções. Na atualidade, o “super ego” se transformou em “eu-ideal”, que exerce uma pressão constante sobre o eu. Quando percebe que o ideal é algo inalcançável, o sujeito se vê cansado de si, gerando assim uma agressividade contra si. Diante do eu-ideal, o eu-real é percebido como um fracassado.

O sujeito de desempenho pós-moderno não está submisso a ninguém. (…) Ele se positiva, liberta-se para um projeto. A mudança de sujeito para projeto, porém, não suprime as coações. Em lugar da coação estranha, surge a autocoação, que se apresenta como liberdade. (…) A partir de um certo nível de produção, a autoexploração é essencialmente mais eficiente que a exploração estranha, visto que caminha de mãos dadas com o sentimento da liberdade. A sociedade de desempenho é uma sociedade de autoexploração. O sujeito explora a si mesmo até consumir-se completamente (burnout). Ele desenvolve nesse processo uma agressividade. (…) O projeto se mostra como um projetil, que o sujeito de desempenho direciona contra si mesmo.” (Byung-Chul Han, em ‘Sociedade do cansaço’)

As doenças psíquicas da atualidade, como depressão, burnout ou déficit de atenção, não possuem relação com alguma forma de repressão ou negação, mas são resultantes do excesso de positividade e da incapacidade de dizer não, de reagir a este mundo atual que a todo momento pretende explorar cada vez mais as pessoas e sua produtividade. O sujeito de desempenho está esgotado, encerramos a vida no trabalho, no desempenho e na produção.

Nos falta um tempo vazio e de parada, e quando há, as pessoas não encontram o que fazer, pois já perderam sua intensidade vital. Na época do relógio de ponto, havia uma clara distinção entre tempo de trabalho e tempo fora do trabalho, hoje tudo está misturado, parece não haver vida fora do trabalho. Esse novo contexto não permite oposições, resistências ou revoluções, a liberdade do desempenho nos gera mais coações do que a sociedade anterior do dever, a noção de “superação de si” não possui limite.

A liberdade, que deveria ter o sentido de estar livre de coações, se transformou absurdamente, se acoplando a um novo método de coação, que faz a pessoa se sentir livre para se explorar a todo momento, de modo que não é possível distinguir mais o tempo livre da liberdade de usar o tempo para fazer mais coisas. Não mais vivemos, apenas sobrevivemos.

E visto que, em última instância, está concorrendo consigo mesmo, procura superar a si mesmo até sucumbir. Sofre um colapso psíquico, que se chama burnout (esgotamento).” (Byung-Chul Han, em ‘Sociedade do cansaço’)

De acordo com Han, o sujeito que se supõe livre é aquele que explora a si mesmo, sendo ao mesmo tempo explorador e explorado, senhor e escravo. Não consegue parar de se explorar, quando há parada não é para se dedicar a outras atividades, mas apenas uma pausa para recuperar do cansaço do trabalho e retomar o mesmo. Isso nos faz perder toda a capacidade de parar, refletir e fazer algo distinto da própria vida.

Nós nos transformamos em zumbis saudáveis e fitness, zumbis do desempenho e do botox. Assim hoje, estamos por demais mortos para viver, e por demais vivos para morrer.” (Byung-Chul Han, em ‘Sociedade do cansaço’)

Diante dessas questões, é urgente nos atentarmos para não cairmos nas armadilhas do desempenho e da produtividade constante, que nos gera cada vez mais obrigações e frustrações, para podermos encontrar caminhos mais salutares, reconhecendo nossas possibilidades, diferenças e limites. Precisamos de uma nova forma de vida, que nos resgate dessa neurose obsessiva de trabalho, para transformar essa vida de modo que valha a pena viver, não apenas sobreviver.

Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução: Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

Documentário:

Ex Isto. 29.6.2023.

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