por Leandro Karnal

Você gosta de chá, Leitor?
Entre nós surge o desejo a partir do frio. Esse seria o hábito do chá no Ocidente e pode, claro, incluir alguma socialização.
O escritor e intelectual japonês Kakuzo Okakura escreveu “O Livro do Chá”, em que compartilha sua perspectiva única: surge um ritual, uma cerimônia em que o universo da sala, os utensílios, a ordem de tudo para o tempo do mundo.
Por quê? Nas palavras do autor:
“Quando consideramos quão pequena é a xícara do prazer humano, quão rápido ela transborda de lágrimas, quão fácil ela se esgota em nossa sede insaciável por infinitude, deixando apenas borra, não deveríamos nos censurar por darmos tanta importância à xícara de chá” (p. 30-31).
Para Kakuzo, trata-se de celebrar o efêmero e a “formosa tolice das coisas”.
Kakuzo Okakura, um observador versado em dois mundos, viveu tanto no Japão quanto no Ocidente.
Sua perspectiva comparativa recaiu sobre os costumes decorativos das flores. Entre nós, toneladas de flores cortadas e, ato contínuo, lançadas fora.
Na casa de chá nipônica, há uma flor em um lugar especial, um arranjo simples que resume, em poucas coisas, tudo o que é possível ver.
Outro traço fascinante desse espaço do chá é a sua assimetria. Se uma peça de porcelana é curva, o vaso é angular. As coisas se revelam gradualmente, exigindo um olhar atento.
O frenesi do mundo exterior é interrompido. A limpeza é mantida de forma impecável, sem perder a naturalidade. A variedade de formas evita que nossa percepção caia na monotonia contínua. É um momento congelado, imerso em forças estetizantes.
Interrompa-se a guerra, suspendam-se os negócios; ignoremos os atritos que se multiplicam no mundo externo. Ali há outro universo com regras distintas.
Tudo isso faz parte do “chaísmo”, o culto do chá.
Alguns podem argumentar que o culto do chá e suas regras estéticas são apenas uma atualização dos brioches de Maria Antonieta. Mas, ao ler o livro, eu passei a pensar o contrário: é pelo mundo ser difícil, tomado de dor e violência, que a pausa ritualizada deixa de ser uma expressão performática e desponta como filosofia de vida.
Em um universo feito de delicados bonsais e sons de harpas angelicais, a cerimônia do chá seria, talvez, um sintoma aristocratizante vazio, um roteiro sem alma e excessivo.
Como a vida é um trabalho de Sísifo: um rolar de pedras laborais, boletos, dramas familiares, escândalos políticos e falta de dignidade generalizada, a xícara de chá se transforma em pausa indispensável para a sanidade.
Texto adaptado do artigo “O chá”, publicado no jornal Estadão.





