Policial foi à Academia para entender o custo social das drogas

Sargento Maurício Fogaça, tese de mestrado sobre drogas.Curitiba, 31-05-19.Foto: Arnaldo Alves / ANPr.
Conheça o trabalho de Maurício Luciano Fogaça, o 2º Sargento da Polícia Militar do Paraná que fez um mestrado em Direitos Humanos para entender melhor o seu papel no combate ao crime.

Maurício Luciano Fogaça, 45, 2º Sargento da Polícia Militar do Paraná, estima que os gastos da corporação em abordagens de usuários de drogas ultrapassem R$ 2 milhões por ano. A soma leva em consideração uma média da hora-atividade do agente no atendimento da ocorrência, o deslocamento com veículo oficial e o acúmulo de situações similares – em 2017, ano da base de dados analisada, foram cerca de 14,9 mil situações.

Nesse cálculo não estão computados os trâmites administrativos, o salário/hora dos policiais civis, a perícia das substâncias apreendidas, o atendente do plantão 190, o operador do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) e gastos discricionários do Poder Judiciário. Também foram excluídas as cerca de 10 mil ocorrências relacionadas ao combate ao tráfico de drogas de 2017.

Essa pesquisa é fruto da dissertação de mestrado do 2º Sargento no programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR. Fogaça analisou o custo econômico da política criminal de drogas do Estado e concluiu que ela tem um papel preponderante no aumento do encarceramento e do custo de repressão.

Além disso, as substâncias ilícitas têm vínculo direto a outros crimes e não saem facilmente de circulação. Pelo contrário, empírica e cientificamente estão presentes em todas as classes sociais e regiões do Paraná. A conclusão é de que esse ciclo onera o poder público e não responde aos anseios da sociedade.

PONTO PACÍFICO – Fogaça ingressou nas fileiras da PM em 1997 e desde então traçou caminhos cruzados entre a linha de frente da atuação policial e a Academia, com graduação em Direito, especializações em Processo Penal e Direito Administrativo e mestrado em Política Criminal. A sua dissertação é a tentativa de encontrar ponto pacífico nessa linha tênue entre exercer o papel constitucional de salvaguarda da lei e o convívio diário com as discussões sociais em torno das desigualdades, de alvos mais comuns, encarceramento em massa e legislação penal.

“Sempre me interessei pela temática da violência e das drogas pela própria experiência pessoal, os anos de rua, vivenciando tudo na prática. E aprendi que os que são cooptados pelo filtro penal são os periféricos. A classe média-alta, não”, afirma. “As drogas são inimigas que estão nas favelas, nas periferias, nesses locais estão centralizadas, mas sabemos que isso não responde à realidade. Esse panorama tem um custo muito alto para toda a sociedade.”

De acordo com o 2º Sargento, a dissertação tentou entender a conexão do cerco às drogas com os outros delitos comuns do cotidiano brasileiro, como furtos e homicídios, que têm crescido exponencialmente. “Eles estão muito ligados, direta e indiretamente. É difícil quantificar por conta da lei do silêncio que impera nesse mundo. Mas empiricamente dá para observar isso, o que atribui muitos custos ao Estado”, diz o policial. “Numa ocorrência de homicídio, por exemplo, há a Polícia Científica, Civil, perícia, Instituto Médico-Legal, Siate. Há muitos funcionários públicos envolvidos. O que encarece tudo muito mais. Esse sistema está conectado e é oneroso”.

ENCARCERAMENTO – Um dos principais problemas enfrentados, segundo a dissertação do policial, está no boom do encarceramento: em 2000, existiam 137 pessoas presas para cada 100 mil habitantes no Brasil. Em junho de 2016, eram 352,6 para cada 100 mil habitantes, segundo dados do Infopen, sistema de informações do Departamento Penitenciário Nacional. O País tem em torno de 720 mil presos. No Paraná são cerca de 33 mil.

Esse crescimento também se aplica aos menores de idade: em 2016 havia 96 mil menores cumprindo medida socioeducativa, e, em 2017, esse número saltou para 192 mil. Desses, 90% são jovens do sexo masculino. O perfil é homogêneo, de acordo com a dissertação: população periférica, de famílias pobres e desestruturadas. O tráfico de drogas é o crime mais frequente entre os jovens, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça.

A pesquisa aponta que esses números estão relacionados à lei de tráfico de drogas, que aumentou em mais de 300% as prisões relacionadas às sustâncias ilícitas. A ampla maioria está ligada direta ou indiretamente ao mercado de drogas em função de crimes contra a vida, o patrimônio ou ao comércio de drogas, armas e demais materiais ilegais ou de uso restrito. Na prática, a nova legislação, de 2006, trouxe um aumento nas prisões relacionadas às drogas.

Maurício Luciano Fogaça diz que a literatura especializada e a realidade das ruas se alinham nesse campo. “O que realmente dá para observar é que o tráfico de drogas é relacionado ao morador da favela, da periferia, menor de 30 anos, de cor negra e baixa instrução. Isso coaduna com a nossa prática de fiscalização”, explica. “Mas esse traficante em potencial é o varejista, não o atacadista. Eles atuam para vender e também para manter o próprio vício. Essa cultura inflaciona o sistema penitenciário. Agora buscamos trabalhar de forma diferente, integrada, para atacar o problema com mais fundamentos. Essa é uma orientação da Secretaria de Segurança Pública”.

JUSTIÇA RESTAURATIVA – Outro dilema apontado pela pesquisa é a judicialização de todos os problemas sociais, o que gera acúmulo de processos na justiça criminal, incapaz de servir como solução para esses conflitos. Uma alternativa apontada na dissertação é a implementação em larga escala da Justiça Restaurativa, prática que evita o trâmite penal com o estabelecimento de diálogo e compreensão entre vítima e infrator para crimes de menor monta. A Justiça Restaurativa também congrega atores da sociedade civil nesse processo de compreensão das culpas.

“Precisamos crescer muito no sentido da Justiça Restaurativa. Ela depende muito de estudo, tempo, uma coalizão de forças. Não significa despenalizar, descriminalizar, abolicionar. Mas para alguns casos específicos é interessante que a solução seja desenvolvida através de profissionais como psicólogos e assistentes sociais”, afirma Fogaça.

“Podemos pegar um caso concreto de um menor que furta um celular para comprar droga. Ele é preso por furto. Quanto custa o celular? R$ 600. Quanto vai custar a prisão, a manutenção da prisão, a escolta e o aparato judicial para o Estado? Seria interessante encontrar outra forma de identificar essa punição. Temos que trazer essa discussão para a sociedade”, complementa.

MOBILIZAÇÃO – Para ajudar a compreender e discutir todas essas questões, o governador Carlos Massa Ratinho Junior lança neste mês o “Junho Paraná sem Drogas”, que foi instituído pela Lei Estadual 19.121, de setembro de 2017. A proposta é promover durante todo o mês ações para esclarecer a população sobre os riscos do uso e abuso de álcool e outras drogas, e incentivar a busca de orientação, esclarecimento e tratamento, disponível na rede pública de saúde.

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